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Hermila, uma atriz

Protagonista de ?O Céu de Suely?, novo filme de Karim Ainouz, Hermila Guedes ganhou o papel no set de filmagens e foi eleita melhor atriz no Festival do Rio.

Por SILVANA MASCAGNA / ENVIADA ESPECIAL
Publicado em 29 de outubro de 2006 | 00:01
 
 

SÃO PAULO " Hermila seria Georgina e Georgina seria Hermila. Era isso que Karim Ainouz havia planejado, depois de mais de 600 testes com atrizes por todo o país, quando chegou à cidade cearense de Iguatu para rodar "O Céu de Suely", atração da Mostra de Cinema de São Paulo.

Mas Karim é um cineasta que ama, como diz, "o acidente cinematográfico" e, assim como um pintor, prefere não saber direito que cor vai colocar no canto direito da tela. O set é, para ele, um festival de possibilidades.

Por isso, Hermila Guedes virou Hermila, a protagonista do filme, e Georgina Castro, Georgina, um personagem menor, quando, um mês antes de rodar, estava certo que seria o contrário.

"Um dia Karim me falou: "meu coração está me dizendo que você vai ser Hermila. Fiquei assustada e perguntei se ele achava que eu tinha pique. Ele respondeu: "é você quem vai me dizer isso"", conta a atriz pernambucana, nascida em Cabrobó há 25 anos.

Até então, Hermila Guedes tinha feito alguns curtas " é bem verdade que em sua primeira experiência no cinema, "O Pedido", de Adelina Pontual, ela ganhou um prêmio no Cine Ceará " e uma participação em "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, além de alguns espetáculos.

"Nunca fiz escola de teatro", admite ela, que diz estar sentindo falta de mais instrumentos para atuar. "Nem tanto no cinema, que é um coisa mais intuitiva. Mas no teatro, às vezes, quero ir mais longe e não consigo."

No filme, Hermila é uma moça de 21 anos que volta à sua cidade natal no Ceará, com o filho pequeno, depois de uma temporada em São Paulo. Chega com a esperança de montar um pequeno negócio de gravação de CD e DVD, junto com o marido, que lhe prometeu que iria em seguida.

Quando percebe que ele não virá, Hermila traça um plano para deixar Iguatu novamente para um lugar bem longe dali. "Ela é corajosa, se joga nas coisas. Muito diferente de mim", diz a atriz, quando confessa que não teria coragem de vir tentar a carreira em São Paulo ou no Rio, se não tivesse um emprego como garantia.

"Eu tenho muito vontade, mas tenho medo", sorri. Hermila, a atriz, vem de uma família de professoras. "Minha mãe fugiu disso, foi ser bancária. Mas minhas tias são todas professoras", afirma.

Ela quase seguiu pelo mesmo caminho. Está matriculada no curso de letras da Universidade Federal de Pernambuco, mas não consegue frequentar as aulas por causa dos convites para atuar.

Tem feito muita publicidade e cinema. Depois de "O Céu de Suely", já participou de "Deserto Feliz", de Paulo Caldas, e "Baixio das Bestas", de Claudio Assis. Embora fique enjoada de ver seu rosto na tela grande durante a exibição de "O Céu de Suely", ela gosta do resultado de seu trabalho.

"Sou muito tímida, introspectiva, tenho medo das pessoas. Mas não tenho medo da câmera". Essa falta de pudor com a câmera encantou Karim Ainouz e fez com que ele optasse pela atriz para ser personagem principal de "O Céu de Suely".

O amigo de anos, Marcelo Gomes, que criou uma linda cena com ela em "Cinema, Aspirinas e Urubus", já tinha avisado; "Hermila será a protagonista do seu filme". Mas Karim precisou ter certeza.

"Sou muito cartesiano. Precisava experimentar como as atrizes se portavam, como era a relação com a câmera e aos poucos fui percebendo que tinha que ser Hermila."

Intenso processo
O elenco de "O Céu de Suely" se submeteu a um intenso processo de preparação antes das rodagens. Foi uma espécie de mergulho no universo dos personagens do filme. "Queria que ficássemos isolados em Iguatu para que todos percebessem aquela cidade", explica o diretor.

"Quando cheguei a Iguatu, o elenco principal " além de Georgina Castro, Maria Menezes e Zezita Matos " já estava lá. E soube que nós, atrizes e atores, não poderíamos falar com a equipe técnica, nem ter qualquer tipo de contato com quem não fosse do elenco. Tínhamos que vestir as roupas das personagens mesmo nos dias de folga", conta Hermila.

No começo, a atriz não entendeu tudo aquilo, mas depois percebeu o quanto foi importante esse isolamento na criação dos personagens. "Enquanto estávamos no meio do povo da cidade, Karim estava nos avaliando." O mergulho incluía exercícios teatrais com a preparadora de elenco Fátima Toledo.

"Foi um trabalho muito difícil fisicamente e emocionalmente. Tivemos que ir atrás das nossas feridas, daquelas que achávamos que estavam curadas, mas que estavam apenas bloqueadas. Foi um processo intenso, terapêutico", conta Hermila. As cenas mais difíceis para ela foram duas que não estão no filme.

"Uma strip-teaser que tive que fazer numa boate de Iguatu e uma cena de masturbação num caminhoneiro", afirma. Das que ficaram, a atriz diz ter sofrido muito quando a avó a expulsa de casa.

"Ali o que menos me doeu foi o tapa na cara. Me doeu a alma", conta ela, que diz que chora assistindo ao filme toda vez que chora na tela. A primeira vez que viu o resultado do seu trabalho em tela grande foi no Festival de Veneza, sua primeira viagem internacional.

"Tinha visto em DVD, mas ver em Veneza foi outra coisa, um misto de tensão, medo, alegria. Tudo era muito novo pra mim."

Depois de Veneza, veio o Festival do Rio, no qual ganhou o prêmio de melhor atriz. E agora a expectativa para a estréia dia 17 de novembro. "Nunca almejei ser muita coisa na vida, mas quero que venham trabalhos legais como os que surgiram até agora. Antes de mais nada, quero ser feliz", diz ela.

A repórter viajou a convite da Mostra de Cinema de São Paulo