Música

Lobão: “A nata do bolsonarismo é autoritária, quer porrada”

Com canal no YouTube, músico lança canção contra Olavo de Carvalho e ataca governo Bolsonaro

Sáb, 25/05/19 - 03h00
“A família Bolsonaro vive numa bolha de erosão notória, só eles não perceberam que a população não está mais tão apaixonada”, diz Lobão | Foto: Anatole Klapouch/Divulgação

Nascido na França, no século XIX, o poeta Paul Valéry (1871-1945) inspirou um carioca que completará 62 anos em outubro. Trata-se de Lobão, “roqueiro, reacionário, traidor” e outros adjetivos que pulularam na internet nos últimos tempos na tentativa de etiquetar o autor do eterno hit “Me Chama”. 

Fato é que, atualmente, Lobão dispensa apresentações. As opiniões do músico se tornaram de tal modo ressoantes que ele criou um canal no YouTube, definido pelo próprio como “fofo”, em que, antes de tudo, “trata as pessoas com carinho”. “Tenho a diligência de responder todos que sintonizam o canal”, garante. 

Foi na plataforma digital que Lobão mostrou em primeira mão sua nova música, “Com a Graça de Deus”, e revelou a influência da frase “agradeço essa afronta/ cuja sensação viva lançou-me para longe de sua causa ridícula/ tiro proveito do incidente”, de Valéry, em sua “balada meio Zé Ramalho”, embrião de seu próximo disco, “baseado em instrumentos acústicos, com muita viola caipira”, conta. 

Canal. Lobão migrou para o YouTube porque estava “saturado da toxicidade do Twitter”. A possibilidade de se expressar “com mais profundidade, para além de 280 caracteres”, permitiu a ele abordar com leveza temas diversos, como culinária, botânica, filosofia e literatura. No entanto, a presença da política se tornou tão inevitável quanto na mais recente canção. 

“Essa música foi um teste que fiz com a minha própria alma, eu quis tirar proveito dos incidentes ao meu redor, com o desafio de que ela não ficasse jornalística, datada. Só consegui terminá-la quando percebi que ela ficou bonita a ponto de ultrapassar essas questões comezinhas”, explica o cantor, que emenda na sequência um “vamos às questões comezinhas”.

Cartilha. “Todo tolo não entende o horizonte/ Nem os mistérios do céu/ Satisfaz-se feliz com o blefe/ De qualquer fariseu”, afirma Lobão nos versos. “Fica bem claro no transcorrer da letra que ela partiu do episódio com o Olavo”, afiança. A referência é aos embates com Olavo de Carvalho. Aliados durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff e na última corrida presidencial, Lobão e o ideólogo entraram em rota de colisão diante dos sucessivos ataques que Olavo, com o apoio dos filhos do presidente, tem feito a setores do governo de Jair Bolsonaro. Olavo passou a chamar o músico de “Lobostão”.

“Não posso cerrar fileiras com esse tipo de charlatão psicopata que só aceita quem reza na cartilha olavista, eles são uma caricatura. Nunca se causou tanta cizânia na direita, todo mundo virou traidor, eu, a Janaina Paschoal, o Danilo Gentili, o PSL, a imprensa, os militares, é impressionante o poder autodestrutivo desse grupo”, critica. “Um presidente da República não pode viver nesse mundo de faz-de-conta, ele tem é que tratar a imprensa de forma equânime, não pode chegar e escolher uma emissora, isso está fora da liturgia do cargo, é feio, uma grosseria e imbecilidade”, complementa. 

Em determinada parte da canção, Lobão chama Olavo de “fada de um universo de papel”. “Se eu fosse menos elegante, teria colocado ‘farsa’ no lugar de ‘fada’. É aquele típico caso do burocrata que vive num almoxarifado, distante da realidade do nosso país e, na melhor das hipóteses, não tem ideia do que acontece aqui”, dispara. “A nata do bolsonarismo é intervencionista, autoritária, quer porrada. Isso só pode acabar num colapso”, diz. 

Ouça a nova música de Lobão contra Olavo de Carvalho: 

Revanche. No entanto, para além dos fiéis seguidores, foram as atitudes do governo que ele ajudou a eleger que levaram Lobão a mudar, mais uma vez, de posição. “Isso está virando uma palhaçada, estou cansado de optar pelo menos pior e ele se mostrar horroroso”, confessa. Medidas nas áreas de cultura e educação e a “cruzada de falso moralismo, criminalizando a articulação política” descontentaram o compositor. 

“Se a esquerda não aprende com os próprios erros, a direita, então, nem se fala. Começaram a demonizar o Rodrigo Maia, como se o (Eduardo) Cunha fosse muito melhor”, avalia. Na visão de Lobão, “o governo está sendo revanchista com a classe artística e universitária”. “Sempre botei o dedo nessa ferida, mas não é com uma paranoia persecutória que se age diante de um problema tão complexo. É uma coisa ridícula, tosca, de você chegar na ribalta dizendo que vai botar maconheiro pelado pra correr. E aí vem uma reação dantesca, e você diz que não é corte, é contingenciamento”, reclama. 

A “arrogância deslumbrada do quarteto familiar que governa o país com o guru iracundo” tem tudo para beneficiar o PT, diz Lobão. “É o inimigo que eles pediram a Deus, porque a vileza dos atos é pornográfica, saíram rifando todos os aliados e também a oposição, que precisa ser incluída. O governo é para todos, e não um grupelho do Twitter, isso é antidemocrático. Parece coisa de novela mexicana de quinta categoria”, conclui. 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.