'Os Iniciados'

Longa sul-africano é ensaio sobre a masculinidade

O filme acompanha um ritual de iniciação, que consiste basicamente em uma circuncisão sem anestesia ou esterilização médica

Qui, 18/01/18 - 02h00
Cantor Nakhane Touré faz estreia no cinema como o cuidador Xolani | Foto: Zeta/divulgação

No centro de “Os Iniciados”, candidato sul-africano ao Oscar que estreia nesta quinta (18), está a ideia de masculinidade. O que é ser homem – e o que é necessário para ser um. E ao mostrar que existem várias respostas a essa questão, e que nenhuma é totalmente boa ou ruim, o que o longa de estreia do diretor John Trengove tenta é confrontar a mais tóxica e comum delas: a ideia de masculinidade como exterminação e negação do outro – de que, para afirmar sua versão de ser homem, a do outro tem que ser anulada.

Essa ausência de empatia, associada a certa fortaleza e valentia masculinas, se manifesta das mais diversas formas – guerras, homofobia, racismo, intolerância. E é por isso que, ao retratar uma história tão específica e contida, “Os Iniciados” alcança notas tão pertinentes e universais.

O filme acompanha um ritual de iniciação à masculinidade do grupo étnico sul-africano Xhosa, que consiste basicamente em uma circuncisão sem anestesia ou esterilização médica – a ideia de que se tornar homem é perder partes e sentir dor. Xolani (Nakhane Touré) é um cuidador, veterano responsável por um dos jovens iniciados, Kwanda (Niza Jay), cujo pai acredita que ele é frouxo, afeminado e mimado pela mãe. Mas Xolani também guarda seus segredos, envolvendo o outro cuidador Vija (Bongile Mantsai), e um estranho triângulo de repulsa e atração se forma entre os três.

Trengove e o diretor de fotografia, Paul Özgür, constroem esse triângulo contrapondo a claustrofobia da cabana, que aproxima o cuidador e Kwanda – e proximidade no filme é algo perigoso – à vastidão da natureza que, ao mesmo tempo que é o refúgio de Xolani e Vija, também afasta os dois. O maior mérito da câmera do longa, no entanto, é seguir os personagens buscando desnudá-los, com compaixão, sem jamais julgá-los.

O que vem a ser a mesma atitude do filme em relação ao ritual. Trengove ressalta o tempo todo o choque entre a tradição e o mundo contemporâneo – no contraste entre a música eletrônica e o canto Xhosa, ou na montagem paralela entre a despedida do ancião e as críticas de Kwanda – mas ele enxerga as rachaduras nos dois, e nunca toma um lado. O fato de o jovem iniciado vestir as roupas de outro personagem no final, ou de que a dança Xhosa é uma luta, um ritual e quase um acasalamento, são formas sutis de como ele demonstra isso.

E no fim, assim como existem várias formas de ser homem, “Os Iniciados” se revela uma história sobre como existem várias formas de amar. E para mostrar como elas podem ser tão tóxicas, destrutivas – e vitais – quanto, Trengove conta com a delicada performance de Touré. O rosto do cantor, em sua estreia no cinema, é capaz de associar no mesmo olhar melancolia e desejo, expressando tudo que o roteiro não precisa, e mudando completamente perto de Vija. É ele que constrói esse Xolani que “só tem a montanha”, um homem nela e um fantasma morto-vivo fora dela – um enigma que o filme se recusa a julgar, deixando isso a cargo do espectador.

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