Entrevista

Militante da música antiga

Instrumentista, estudioso de música antiga, regente e professor paulistano radicado na Europa desde 1980, Nicolau de Figueiredo está em Belo Horizonte, participando da 3ª Semana de Música Antiga da UFMG. Em entrevista, ele fala do evento, dos instrumentos que o cativaram desde a infância - o cravo e o órgão positivo -, de suas atividades e das impressões sobre essa cena no Brasil

Sex, 02/09/11 - 20h08
Instrumentista, estudioso de música antiga, regente e professor paulistano radicado na Europa desde 1980, Nicolau de Figueiredo está em Belo Horizonte, participando da 3ª Semana de Música Antiga da UFMG. Em entrevista, ele fala do evento, dos instrumentos que o cativaram desde a infância - o cravo e o órgão positivo -, de suas atividades e das impressões sobre essa cena no Brasil | Foto: MIRCO COSIMO MAGLIOCCA / DIVULGAÇÃO

Nicolau De Figueiredo
Músico

Onde você está morando atualmente?
Em Paris, desde 2003.

O que mais te atrai na música barroca e na música antiga, de modo geral?
A emoção. A linguagem da música barroca é mais direta que a romântica, que trata de sentimentos pessoais, emoções que são de cada um. A música barroca trata de arquétipos dos afetos, então acho que vai mais longe. O que me atrai é essa mistura, que gera uma proximidade com a improvisação, com a música popular.

Vem de quando o seu interesse por esse período da música e pelos instrumentos da época - o cravo e o órgão positivo?
Vem de berço. Eu comecei estudando piano aos 12 anos e já aos 14 fui na missa de sétimo dia da minha avó, vi o órgão e fiquei alucinado com aquilo. Quis estudar órgão e logo depois ouvi um disco de cravo, que me pegou também, achei maravilhoso, quis estudar também e não parei mais. No começo isso se deu em paralelo com o piano, porque eu estudava também música romântica, mas, quando fui para a Europa, deixei o piano de vez para me dedicar à música barroca.

O cravo e o órgão positivo podem ser considerados instrumentos raros? Eles ainda são, hoje em dia, fabricados regularmente?
Temos fabricantes excelentes no Brasil, o que não há ainda muito é o costume de se adquirir esses instrumentos, mas isso não quer dizer que eles sejam raros. Na época que saí do Brasil, em 1980, sim, quase não havia cravos, não havia construtores. A questão da falta de costume de se adquirir esses instrumentos se explica porque a música barroca, por mais sucesso que tenha, ainda é praticada por uma minoria. E são instrumentos caros, um cravo é mais caro que um piano de armário. É por uma questão de tradição geral. O órgão positivo é mais complicado ainda, é mais caro, quem tem que comprar são as instituições e nem sempre as escolas de música e os conservatórios entendem que é importante ter um.

Além de solista e regente em concertos, que outras atividades você desenvolve atualmente? Continua lecionando? Onde?
Eu não leciono fixo mais, mas sou regularmente convidado por festivais para dar aula, como, por exemplo, no Conservatório de Lion. Também fui professor na Basiléia, para onde volto de vez em quando para dar cursos. Ensino de maneira pontual. É algo que me dá prazer. A coisa mais bonita é ver as pessoas progredirem e poder ajudar nisso.

Como está organizada sua agenda anual? Como você divide o tempo entre apresentações, gravações e outras atividades?
Não tenho períodos fixos. Estou programado quase até o fim de 2013, mas são coisas que vão vindo e eu vou preenchendo minha agenda, viajando muito. Vivo em aeroporto. Recebo convites de todas as partes do planeta e, graças a Deus, tenho estado bastante no Brasil. Fiz, em maio, no Teatro Municipal de São Paulo, a "Paixão Segundo São João", de Bach, com orquestra e coral. Em novembro eu volto para tocar com o Quarteto da Cidade de São Paulo. O programa inclui uma peça de Johann Christian Bach, filho do Johann Sebastian Bach, para cravo e quarteto.

Na sua avaliação, como está o cenário da música antiga no Brasil atualmente? Existe público, campo para estudo, boa estrutura para gravações?
Existe tudo, estrutura, campo para estudo, público, que, aliás, está crescendo muito. Sob qualquer aspecto, a evolução do panorama desde que saí até hoje é incomparável, a música antiga no Brasil está tomando um caminho muito bom. Isso se deve à modernização geral, tecnológica, dos meios de produção e do mercado como um todo. Na minha época, era uma dificuldade danada achar partitura, hoje você entra na internet e encontra a que quiser. A isso se soma a questão da compra de instrumentos, que também hoje é mais simples, e as possibilidades de musicalização, que são mais amplas. Não existe mais essa coisa de se imaginar que o cenário na Europa é melhor do que aqui.

Mas é de se imaginar que o culto à música antiga lá seja muito maior...
Faz sentido, com efeito é, o que é normal, porque eles começaram essa coisa, têm tradição de organizar concertos, de ir a concertos, de saber que artista tem que ser pago - coisa que aqui no Brasil nem sempre se sabe ou às vezes é ignorada. Mas o Brasil faz isso que eles fazem lá, alimenta o cenário da música antiga com mais paixão, no sentido de que às vezes a gente não tem tão boas possibilidades práticas, materiais, mas aí a gente faz com o pouco que tem e saem coisa muito boas, do nível do que se tem na Europa. Há dois anos, na 2ª Semana de Música Antiga da UFMG, de que também participei, encontrei músicos excelentes aqui, que eu não conhecia e que tinham ido estudar na Europa e voltaram. Tive esse imenso prazer de ver que o meu Brasil tem tudo para fazer música antiga de alta qualidade, e é tudo nosso. O Teatro de Sabará é perfeito para essa música e é nosso. Os músicos, com alma brasileira, tocando instrumentos feitos no Brasil, são um símbolo disso. Temos os construtores de violinos, de violoncelos. Foi uma surpresa que tive naquela 2ª Semana de Música Antiga, não imaginava mesmo que o cenário aqui estivesse tão avançado.

Na sua avaliação, qual a principal função que um evento como esse - a Semana de Música Antiga da UFMG - cumpre? A que esse tipo de realização se presta?
Cumpre a função de potencializar o cenário, dá um enfoque, porque é uma coisa concentrada, são vários concertos em pouco tempo, e também é um evento grande, que faz barulho, então todo mundo ouve falar. Além de ser uma propaganda muito grande, uma vitrine excepcional, o evento traz nomes excelentes de fora, professores e músicos que são muito ativos na Europa. Para os nossos estudantes aqui, eles vão poder dar uma orientação muito grande, não só servir de exemplo, tocando, mas ensinado mesmo, trazendo informações diferenciadas. Eu comecei a fazer música antiga tocando em festivais como esse. Posso dizer que, nessa 3ª Semana de Música Antiga, reuniu-se um buquê de artistas maravilhosos.

Você ainda vai participar de quatro concertos dentro da programação da Semana de Música Antiga. Destacaria algum deles?
Eu tenho muito carinho por todos. O concerto que faremos aqui em Belo Horizonte, no dia 8 (quinta-feira, às 20h30, na Igreja São José: "Concerto Spirituale a Petit Choeur", com vários solistas convidados), será muito bonito, com um pequeno coro e obras belíssimas. Na verdade, todas as obras que vou executar são muito bonitas, mas, nesse dia, vamos ouvir os professores solistas. Eu tenho muito orgulho de dois programas, esse do dia 8 e o do dia 9 (na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, às 20h30). Não é bem orgulho, é uma felicidade, porque fiz questão de colocar a música do padre José Maurício ao lado dos compositores europeus, para mostrar que não fica nada a dever. Fico feliz de fazer obras dele ao lado das de Bach.

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