Literatura

Murilo Mendes volta à cena 

Obra completa de Murilo Mendes começa a ser publicada pela Cosac Naify, que apresenta agora quatro volumes

Ter, 23/09/14 - 03h00
Exterior.Murilo Mendes durante viagem a Paris, em 1955. Dois anos depois ele se fixaria em Roma, na Itália | Foto: L Wiznitzer

“Poemas”, primeiro livro de Murilo Mendes (1901-1975), publicado em 1930, só teria seu conteúdo relançado ao lado de outros textos, abrangendo uma cobertura mais completa, quase três décadas depois, em 1959, quando o escritor vivia em Roma. Esgotada rapidamente, essa edição se tornou difícil de ser encontrada daquele momento em diante. “Quem quisesse pesquisar a obra dele, nos anos 1970, por exemplo, não achava material para isso”, diz Murilo Marcondes de Moura, especialista no autor.
 

De lá para cá, isso não mudou muito. A última maior iniciativa de publicação dos escritos do mineiro foi realizada em 1994 e está fora de catálogo. Por isso, tem grande impacto nesse cenário o projeto de relançamento da obra completa de Mendes, promovido pela editora Cosac Naify, que publica a partir de agora quatro primeiros volumes.

São eles, “Poemas”, “A Idade do Serrote” (1968), “Convergência” (1970), além da inédita “Antologia Poética”, organizada pelos curadores Murilo Marcondes de Moura e Júlio Castañon Guimarães. No próximo ano deverá vir a público “As Metamorfoses” (1944), “Contemplação de Ouro Preto” (1954), “Tempo Espanhol” (1959) e “Poliedro” (1972), contemplando, assim, a poesia e a prosa do autor.

Apoiada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pelo Museu de Arte Murilo Mendes, a iniciativa será lançada durante o seminário Murilo Mendes: O Poeta Revisitado, que acontece, quinta e sexta-feira próximas, no museu localizado em Juiz de Fora, cidade natal do homenageado. Moura ressalta que a importância da novidade se revela não só pela maneira como recoloca em circulação a produção literária de Mendes, mas também pelo esforço em atualizar as edições predecessoras.

“A publicação da obra completa dele, em 1994, é importantíssima e foi realizada por Luciana Picchio. Apesar do grande valor dessa edição, ela tem alguns problemas, como erros na separação das estrofes de parte dos poemas. Isso resulta, por vezes, em textos nem sempre confiáveis. Portanto, nós procuramos apresentar, desta vez, os escritos dele de forma mais fiel possível”, sublinha Murilo Marcondes de Moura.

Ele ressalta que essa tarefa não é simples, em razão do hábito de Mendes em reescrever as suas poesias em diferentes momentos da vida. “Ele modificava inúmeras vezes o que compunha. Por esse motivo, da edição de 1959 a 1994, há muitas mudanças. Murilo Mendes falava de uma certa insatisfação permanente e propunha alterações em versos que ele tinha escrito há muito tempo, por exemplo, uma década atrás. Essa era uma característica dele”, explica Moura, que é professor de literatura brasileira na USP.

“É, inclusive, sua, uma frase conhecida: ‘Não sou meu sobrevivente, mas meu contemporâneo’. Ou seja, ele se sentia autorizado a rever a própria obra quando considerava que algo estava inacabado ou ainda problemático”, acrescenta ele.

Fases. Serviu como guia nesse processo, as anotações deixadas por Mendes antes de morrer, e já apontadas por Luciana Picchio. Diferentemente das anteriores, a “Antologia Poética”, criada por ele e Guimarães, se preocupou em abranger todas as fases da poesia de Mendes.

“Até o presente não havia uma edição que reunia textos de todos os seus livros. Nós selecionamos poemas que saíram em livros estrangeiros e os traduzimos do italiano e do francês. Mais uma vez, isso não foi fácil porque a poesia de Mendes é marcada por uma ausência de hierarquia já comentada, em 1930, por Mário de Andrade”, afirma.

Moura afirma que o projeto, se guiou, assim, por apresentar Murilo Mendes em sua multiplicidade.

“A ideia é fornecer uma visão mais abrangente possível do que é o trabalho do escritor sem fixá-lo em uma categoria. Colaborou para isso o fato de eu e Júlio sermos estudiosos da obra de Murilo Mendes, mas com perspectivas muito diferentes”, pontua Moura.

Os títulos, que chegam a público revisados, são acrescidos de textos críticos, crônicas ou cartas. Silviano Santiago assina o posfácio de “Poemas”, o qual traz também carta de Mário de Andrade. Em “A Idade do Serrote”, por sua vez, há uma crônica de Carlos Drummond de Andrade.

“Isso contribui para contar uma pouco da história da recepção de sua obra. Ele foi muito querido por outros grandes poetas. Então, as cartas e as crônicas apresentam esse diálogo e mostram como ele era visto pelos outros autores”, diz.

Para ele, rever a atenção dada a Mendes é outro objetivo desse projeto. “Embora ele seja um escritor de grandeza indiscutível, sua obra é menos discutida do que a de outros, como Drummond e João Cabral de Melo Neto. Ao mostrarmos como ele conversava com os seus contemporâneos, é possível provocar um olhar para a sua importância naquele cenário”, conclui Moura.

Toda a obra de Mendes está prevista para sair em duas versões, uma em brochura e outra especial, em capa-dura. A segunda virá com um acervo maior de imagens, algumas coloridas, além de CD de poemas lidos pelo autor.

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