Sofar Sounds

Música, curiosidade e respeito ao fazer artístico

Acompanhamos uma edição, em BH, do evento que tem ressignificado o jeito de apreciar shows

Qui, 30/06/16 - 03h00

A noite acabara de cair quando eu e Leo Fontes, fotógrafo que assina os cliques dessa reportagem, chegamos à sede da Alcova Libertina. Incrustada na divisa entre o centro e a Floresta, a casa abriga um coletivo de artistas que, entre outras empreitadas, coloca na rua um dos blocos carnavalescos mais divertidos de Belo Horizonte. Naquela terça-feira friorenta, porém, não eram os entusiastas da folia momesca que começavam a se acomodar no aconchegante quintal do QG da Alcova. Muitos sequer conheciam o bloco, tampouco a sede. Na verdade, as cerca de cem pessoas que se aglutinavam por ali não sabiam nem quais shows acompanhariam naquela noite. É que elas formavam o seleto público sorteado para conferir mais uma edição do Sofar Sounds em Belo Horizonte.


Criado em 2009, em Londres, na Inglaterra, o evento é uma espécie de mini-festival fragmentado, intimista e itinerante, cujo formato tem a música autoral como estrela principal. “A ideia surgiu da impressão de que, quando uma banda autoral toca num espaço comum, não existe muito respeito por parte do público. Então, pensaram em criar um espaço onde as pessoas venham para ouvir música, onde o foco seja a música”, explica Fernando Remiggi, que coordena, ao lado de Dílson Laguna, a produção do Sofar Sounds no Brasil.

“Hoje, o evento está em mais de 60 países. Só para você ter uma ideia, nesse mês vão acontecer mais de 170 shows pelo mundo”, continua o produtor. “E todos seguem o mesmo padrão. São escolhidos de três a cinco artistas, que fazem shows curtos, de 20 minutos. O local é divulgado 48 horas antes e os convidados só ficam sabendo o line-up quando chegam no evento, exatamente para despertar a curiosidade e incentivar o público a conhecer novas bandas”, completa, lembrando que os locais são sempre inusitados, como brechós, cafés e centros culturais.

Mineiro de Uberaba, Remiggi encarou o desafio de produzir o Sofar Sounds em terra brasilis depois de morar na capital inglesa por seis anos. “Lá, eu fiz produção musical e engenharia de som, e conheci pessoas que trabalhavam no projeto. Tive a oportunidade de ser apresentado ao Rafe Offer, que criou o Sofar. Como nessa época eu já pensava em voltar para o Brasil, sugeri a ele a ideia de trazer o projeto para cá, o que aconteceu em 2012”, relembra. Desde então, o Sofar Sounds Brasil não parou: hoje, o projeto realiza edições mensais em oito capitais, que já receberam cerca de 1.500 apresentações.

O público das sessões – que varia de acordo com o local, mas não costuma passar de cem pessoas –, é selecionado por sorteio. Os interessados fazem inscrições pelo site do projeto (www.sofarsounds.com) e, se escolhidos, recebem um e-mail solicitando confirmação mediante contribuições variáveis. “O projeto se paga dessa forma colaborativa. As contribuições variam entre R$ 25 e R$ 70, de acordo com diversas contrapartidas, que vão desde uma playlist online exclusiva até um vinil do Sofar Sounds”, explica Remiggi. Pelo site, também é possível indicar artistas e espaços para outras edições. “A curadoria privilegia trabalhos autorais de qualidade. Os nomes são pré-aprovados por aqui e enviados para Londres, onde dão o veredicto final”, conta o produtor.

Na edição dessa terça-feira, o sereno e bem-comportado público assistiu aos shows de três jovens cantores e compositores das Gerais: Bárbara Barcellos, Mário Wamser e Marcos Ruffato. “Foi a minha terceira experiência no Sofar, e a primeira na minha cidade. Já tinha me apresentado no Rio, duas vezes. É um ambiente muito legal, que gera curiosidade até em nós, artistas, já que também só ficamos sabendo dos outros nomes da programação na hora”, afirma Wamser. “E tem esse papel educacional. Ali estão pessoas que também conversam durante outros shows, em outros lugares. Mas, no caso do Sofar, o próprio evento as prepara para aquele momento de respeito. E elas vão aprendendo”, completa.

Wamser comenta suas impressões sobre as apresentações dos colegas. “Achei sensacionais os shows, são compositores avançadíssimos. O trabalho da Bárbara é lindo, respeita muito as raízes da música mineira. E foi incrível ver uma mulher tocar um contrabaixo (Camila Rocha, que acompanhou Marcos Ruffato). É um instrumento grande, grotesco, sempre ligado ao homem. É muito legal ver isso sendo desconstruído na arte”, assinala.

Anfitrião dessa edição, o músico Thiakov, um dos moradores da Alcova Libertina, celebra a oportunidade de receber o Sofar Sounds. “É tudo muito bem feito. O som, a divulgação, a curadoria. Tudo simples e eficaz. Me parece ser promissoramente o futuro das relações da música contemporânea, para além da internet”, defende. “Sofremos uma deformação das nossas plateias depois das décadas de 80 e 90, quando os festivais se tornaram monstruosos. A experiência passou a ser: ir num megashow, com uma megabanda, com um megapúblico, sem contato nenhum com o artista. E o Sofar, assim como outras iniciativas, retoma essa criação de laços entre palco e público, essa degustação prazerosa da arte”, finaliza. 

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