PERFIL

Não só um corpinho bonito

De galã de comédia romântica a favorito ao Oscar, Matthew McConaughey dá aula de como reinventar uma carreira

Sex, 21/02/14 - 03h00
Se os prêmios precursores da temporada estiverem certos (e eles normalmente estão), Matthew McConaughey deve subir ao palco no dia 2 de março e receber o Oscar de melhor ator. E a não ser que um novo seriado reinvente a roda nos próximos meses, o texano receberá o prêmio na mesma categoria no Emmy, em agosto, e voltará aos palcos do Globo de Ouro e do SAG Awards em janeiro do ano que vem, por sua performance memorável como o policial Rust Cohle na excelente série “True Detective”. Sim, estamos falando do mesmo Matthew McConaughey que, há menos de cinco anos, estrelou “Surfer, Dude” e “Minhas Adoráveis Ex-namoradas”. Um atrás do outro. 
 
Se confirmado, o Oscar não será somente por seu bom trabalho em “Clube de Compras Dallas”, que estreia em Belo Horizonte nesta sexta (21). A estatueta será pela diametral reinvenção de sua carreira que o ator realizou em um espaço mínimo de tempo. E a qual ele mesmo batizou de “McConaissance”. A transformação é tamanha que sua cena em um filme de Martin Scorsese – que anos atrás seria considerada uma heresia – é, segundo muitos críticos, a melhor de “O Lobo de Wall Street”. 
 
A história de como isso aconteceu foi sintetizada pelo próprio McConaughey em seu discurso no último Globo de Ouro. Com uma série de fracassos, um filho recém-nascido e outro a caminho, o ator se viu na crise dos 40 em 2009. E sem um bom motivo para sair de casa, ficou dois anos sem trabalhar. Os papéis que lhe interessavam não chegavam até ele, que havia virado uma piada de si mesmo: o galã de comédias românticas que chegava no set, tirava a camisa e descontava o cheque. Foi quando sua esposa, a modelo de Itambacuri (MG) Camila Alves, explicou a ele a filosofia pela qual mineiros nunca perdem o trem. “Se os papéis não vêm até você, é hora de tirar a bunda da cadeira e ir atrás deles.  Ou mudar de carreira”.
 
Jornada do herói. Foi o que ele fez. E como a ideia era começar de novo, nada melhor do que retomar de onde tudo se iniciou. Em “O Poder e a Lei” e “Bernie”, de 2011, McConaughey viveu, respectivamente, um advogado criminal e um promotor. Os dois trabalhos remeteram, claramente, ao primeiro grande papel do ator em Hollywood, como o inocente advogado Jake Tyler Brigance, de “Tempo de Matar”. Uma atuação que fez os críticos da época enxergarem, no brilho dos olhos azuis do ator em suas alegações finais, o nascimento de um novo Paul Newman. 
 
Só que em vez disso, o texano de Uvalde deixou-se seduzir pelo canto da sereia hollywoodiana e a possibilidade de se tornar um astro milionário. Sem nunca ter emplacado uma franquia de ação, porém, ele se tornou um objeto de luxo do desejo feminino em uma série de comédias românticas esquecíveis. Um acompanhante musculoso para o figurino de grife das protagonistas. E tudo indicava que seu epitáfio se resumiria ao sucesso de “Como Perder um Homem em 10 Dias” e o fundo do poço de “Minhas Adoráveis Ex-Namoradas” (que ninguém viu e ninguém gostou).
 
Dando sequência à revitalização de sua imagem, em 2012, McConaughey deu um dos principais passos para fazer as pazes com a crítica. Ao encarnar o assassino do título em “Killer Joe – Matador de Aluguel”, do respeitado William Friedkin, ele interpretou o que deve ser uma das cenas definitivas de sua carreira no monólogo brutal de quase 20 minutos ao final do longa. E, se isso não foi o bastante, ele caiu nas graças da mídia no mesmo ano, ao provar que conseguia rir de si mesmo e da persona que havia criado, como o stripper Dallas de “Magic Mike”, roubando a cena do produtor e roteirista Channing Tatum. 
 
Mas foi no marktwainesco “Amor Bandido”, lançado no Brasil em 2013, que McConaughey finalmente cumpriu a promessa que se esperava dele no início da carreira. Um herói romântico que encarna em sua beleza e charme sulistas os valores e as imperfeições do “homem norte-americano”. Capaz de uma intensidade emocional similar a de um Sean Penn, sem a distância fria do grande ator, e da grandiloquência de um Daniel Day-Lewis, substituindo a esfinge incógnita do mestre inglês pela familiaridade calorosa de um Astro de Cinema. E em “Clube de Compras Dallas”, ele colhe os louros pelo bom comportamento, preenchendo categoricamente os requisitos do papel de Oscar: a história real, a doença fatal, a transformação física.
 
A reinvenção culmina no trabalho do ator em “True Detective”, provavelmente o melhor de sua carreira. Ao lado do amigo Woody Harrelson, McConaughey encena uma mistura existencialista de “Twin Peaks” e “Coração Satânico” com diálogos escritos por Nietzsche (sim, esse é o nível de qualidade da TV norte-americana atual). A cada cena, os dois parecem extrair atuações melhores um do outro, em embates dignos dos melhores romances da literatura, ressaltando a capacidade do texano de associar densidade dramática ao nível do homem comum. A crítica tem se derretido em elogios a cada semana.
 
E no fim do ano, ele ainda protagoniza “Interstellar”, nova megaprodução do diretor de maior sucesso em Hollywood hoje, Chris Nolan. A McConaissance, meus caros, está apenas começando.

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