“Mad Max: Estrada da Fúria”

Nós precisamos de uma nova heroína 

Reboot usa universo da franquia para construir ótimo filme de ação feminista

Qui, 14/05/15 - 03h00
No comando. Theron vive heroína de ação do filme, à la Ripley de “Alien” | Foto: warner / divulgação

Não é à toa que o princípio ativo de “Mad Max: Estrada da Fúria”, estreando hoje, é que a ruína de um sistema opressor nasce dentro dele mesmo – já que essa é a premissa de sua própria produção. Em uma Hollywood dominada por franquias e sequências, o diretor George Miller usa uma marca criada por ele mesmo para contar uma história que merece ser filmada.

Porque você pode se espantar ao se dar conta, no meio do filme, de que o Max do título (Tom Hardy) está ali como mero observador. Ele é a desculpa para o longa fazer um tratado feminista, alucinado e insanamente divertido sobre a grande máxima dita por Saramago de que “a história da humanidade é a história do sacrifício e do heroísmo feminino não reconhecido”.

Após a morte de sua família no longa original, de 1979, o próprio Max afirma no início do filme que é um homem em modo de sobrevivência. Ele não sabe, mas precisa de um motivo para não simplesmente existir. E o encontra quando, assombrado por não ter salvado a filha, esbarra com a imperatriz Furiosa (Charlize Theron, no comando), que trai seu imperador Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e liberta suas “parideiras” – leia-se, escravas sexuais – e parte com elas numa fuga alucinada pelo deserto.

Não se engane: não se trata de Miller descartando seu próprio universo, ou ignorando de que este é um dos maiores blockbusters do ano. A primeira meia hora do filme é uma enorme sequência de ação insana, como se Salvador Dalí dirigisse um clipe de heavy metal dos anos 80.

O futuro pós-apocalíptico da escassez da água e dos adoradores da velocidade e do famigerado V8 é trazido de volta à vida instantaneamente pelo design de produção de Colin Gibson, que diz tudo que você precisa saber aquele mundo nas máquinas e carros em cena – mesmo que você nunca tenha visto os longas anteriores. Os figurinos de Jenny Beavan identificam de cara os diferentes grupos e tribos, e a personalidade dos personagens – Furiosa, por exemplo, é simples, ágil, seca.

E as cenas de ação deixam “Velozes e Furiosos” no chinelo porque não são videogames de plástico. A velocidade vem, na verdade, do domínio de Miller e do diretor de fotografia John Seale nos movimentos de câmera e da velocidade de exposição. Casados com a trilha tribalmente épica de Junkie XL, eles criam algo muito mais novo e moderno do que qualquer CGI de ponta seria capaz de produzir.

Tudo isso para dizer que “Estrada da Fúria” não é quadrinhos. Não é TV. É cinema. É todo um universo construído para realmente dizer algo. Cada elemento e cada personagem tem sua função na história como uma peça na engrenagem das máquinas de guerra pilotadas em cena.

Miller encontra tempo para dar personalidade e voz a cada uma das cinco parideiras, que são mais que meras vítimas cegas seguindo uma salvação. E mesmo a obsessão do capanga Nux (vivido pelo sempre bom Nicholas Hoult) pelos “portões de Valhalla” – uma espécie de 88 virgens no paraíso criada por Immortan Joe – ganha um significado maior no ato final.

Mas o filme é da Furiosa de Charlize Theron. Ela não é simplesmente a heroína, é o mais próximo da Ripley de “Alien” que o século XXI possui até agora. Monossilábica e com uma performance que transforma dor em ação, ela traz nos olhos o único verde da esperança em um mundo laranja e seco – o verde do paraíso que ela busca, e aos quais o realismo do azul esfumaçado dos olhos de Hardy se contrapõem.

Vê-la no comando do clímax de ação do longa, ao lado de velhinhas de 70 anos quebrando o pau, é algo digno daquele “Yeah!” proferido por Meryl Streep no último Oscar. Porque talvez nós não precisemos de outro herói. Mas de uma heroína, sim.

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