Urbanidade

O corredor cultural já existe

Realizada no último domingo, “A Ocupação” defende participação social como elemento fundador da cidade

Ter, 09/07/13 - 03h00
Sem curadorias nem hierarquias, evento atraiu multidão de ações artísticas e políticas ao baixo centro da cidade | Foto: mídia ninja/divulgação

Enquanto algumas pessoas ainda desocupavam a Câmara Municipal de Belo Horizonte, anteontem, após nove dias de intensa convivência e mobilização, outras se preparavam ante uma nova ocupação, agora em torno do tradicional Viaduto Santa Teresa – e duração de apenas uma tarde e uma noite. Com espírito horizontal e coletivo, o evento intitulado “A Ocupação” convidou centenas de moradores da cidade ao encontro e à prática de propostas para um dos principais projetos urbanísticos em atual desenvolvimento na cidade: o Corredor Cultural da Praça da Estação.


Palestras, debates, performances, apresentações musicais, partidas de queimada, pequenas feiras, exposições de poesia, intervenções políticas e sessões de vídeo foram algumas das ações que transformaram em matéria desejos e atitudes que já há algum tempo pairam sobre a cidade – e, em muitos casos, sobre a própria região onde se localiza o viaduto, como o fundador Duelo de MC’s.

“Sem deixar de lado a heterogeneidade que surge como marca desse evento e de toda essa movimentação, trata-se de uma resistência positiva que afirma o desejo humano de viver o comum, e não o privado. Já há muito tempo, trilhamos um caminho de individualismo que nos deixa muito infelizes, e acredito mesmo nessa movimentação como uma retomada da alegria”, sintetiza a arquiteta e pesquisadora Natacha Rena, integrante do Movimento Fica Ficus e do Comitê de Arte e Cultura da Assembleia Popular Horizontal – dois dentre os vários coletivos presentes no evento.

Projeto. Quando relacionadas ao projeto urbanístico do Corredor Cultural da Praça da Estação, em franco desenvolvimento a partir de discussões entre a Prefeitura de Belo Horizonte e diversos representantes da sociedade civil, as ideias propagadas por Natacha desembocam em equipamentos mais alinhados às ações coletivas e interesses públicos que já se dão a ver naquele espaço do que a anseios privados de cunho meramente turístico ou mercadológico.

“Quando surgiu a ideia do corredor cultural, falava-se em uma mistura entre a Lapa carioca e Puerto Madero (em Buenos Aires), sugerindo mais uma réplica de um modelo urbanístico presente em diversas partes do mundo. Como resposta a essa ideia, houve uma ampla convocação popular, incluindo grupos até então deixados de fora da discussão, como a classe artística da cidade, assim como pequenos comerciantes e os próprios moradores de rua”, explica.

Integrante do grupo Espanca!, com sede localizada na região, e representante da sociedade civil na comissão que discute os rumos do corredor cultural, o ator Gustavo Bones também defende a importância de um projeto mais atento à realidade concreta do local. “É importante, nesse sentido, pensar em iniciativas voltadas à ação cultural, e não somente na reforma e criação de edifícios. Essa é uma discussão que já iniciamos e vamos desenvolver a partir de agora”, conta ele.

Na sua visão, essa junção entre cultura e política faz mesmo parte de um horizonte que se apresenta à capital mineira. “Vejo claramente que muitos agentes culturais estão recuperando essa função histórica da arte, que é levar o debate político à arena da cidade, ocupando, a partir de diferentes estratégias, os vários espaços públicos aos quais devemos ter acesso”, completa.

Perspectiva. Confiante em relação ao momento que se anuncia, Natacha Rena aposta na ocupação de outros espaços como um desdobramento natural do caminho trilhado até aqui. “Sem dúvida alguma, o que vem por aí é uma ocupação muito mais expressiva dos conselhos municipais, a partir da formação de grupos de trabalho que incluem profissionais de diferentes áreas, assim como artistas, professores e integrantes de movimentos sociais. Em meio a isso, eventos como o que participamos no domingo acabam sendo importantes injeções de ânimo para enfrentar burocracias, debates e negociações, inerentes a qualquer processo democrático”, defende a pesquisadora.


“É fundamental aproveitar esse momento político para mantermos vivos o debate e o diálogo, entendendo cada acontecimento desses como parte de um processo que segue – e segue nas nossas mãos”, acrescenta Bones.
 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.