Música

O intenso fluxo valenciano 

De papo solto e sorriso largo, Alceu Valença passeia por mais de 40 anos de sucessos em show acústico em BH

Qui, 13/08/15 - 03h00
DNA artístico. Alceu Valença conta que respira arte desde a infância na pequena São Bento do Una, no interior de Pernambuco | Foto: JAQUES DIOGO / O TEMPO

Enquanto posa para os cliques que ilustram essa reportagem, no alto do Othon Palace Hotel, Alceu Valença dispara: “Olha, ainda não estamos conversando, mas posso gesticular como se eu analisasse algo. ‘Caetaneando’ sobre a vida. ‘Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez’”, brinca, fazendo caras e bocas, e arrancando risadas dos espectadores. As primeiras palavras do artista pernambucano, 69, precedem quase uma hora de prosa desenfreada, que vai desde suas origens até os projetos atuais. E se engana quem pensa ser possível controlar o entusiasmado fluxo de consciência valenciano. “É que ninguém me dirige. Sempre fiz e vou continuar fazendo o que eu quero, do jeito que eu quero, na hora que eu quero”, crava Alceu Valença, que se apresenta hoje, em formato acústico, no Cine Theatro Brasil Vallourec.

Nascido na pequena cidade de São Bento do Una, no interior de Pernambuco, Alceu Valença respira arte desde moleque. “São Bento é uma cidade de 10 mil habitantes, inacreditavelmente cultural. Tinha cinco grupos de teatro, dois cinemas e também a feira, onde eu via os cordelistas, os zabumbeiros tocando Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro”, relembra. “Em casa, meu avô tocava viola e fazia versos, era um cordelista de brincadeira, mas muito bom. Tio Lucilo fazia essas coisas com ele, já tio Geraldo era mais erudito, poeta ‘de gabinete’, que escrevia livros. E tinha vovó Sebastiana, que era cruel com quem não sabia gramática. Para ela, um pronome mal colocado ou um verbo mal conjugado era pecado mortal. Ganhei essa bagagem cultural muito rica até os 7 anos, quando fui para Recife”, sublinha. “Lá, me deparei com outra cultura, mais lusitana, africana e indígena. Tinham os maracatus, os frevos de bloco, os frevos de rua, os caboclinhos. Sem falar do cinema. Minha mãe era quase cinéfila, e nessa época não tinha censura nem muita putaria nos filmes, então eu ia sempre com ela”, pontua o artista.

Dentro de casa, porém, escutar música era artigo de luxo. “Era uma época difícil para ser músico, e meu pai não queria que eu passasse por problemas. Então, me obrigou a fazer direito”, conta. “Eu ia para a casa do meu avô, que tinha vitrola, e ficava imitando os artistas do rádio. Sei imitar todo mundo, meu ouvido é um gravador”, garante Valença, antes de cantar com as vozes de Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e Sílvio Caldas. “Um dia, minha mãe me levou numa loja e falou para eu escolher um instrumento, e ganhei um violão. Mas meu pai não me deixou aprender. Acabei indo jogar basquete para rodar pelo Brasil, e aprendi a falar francês decorando os livros de Jean-Jacques Russeau”, relembra, enquanto destila frases inteiras do autor em francês.

Na faculdade, veio o envolvimento com os movimentos estudantis e a consciência política. “Não entrei para a luta armada, mas vi vários amigos entrarem e serem mortos pela ditadura. Não me envolvi porque penso por mim mesmo, nunca fui de partido, sou autônomo. Evidentemente, vou para o lado do povão, que sempre foi vítima de bolsões de miséria gigantescos formados desde o império nesse país”, critica.

Após desistir do direito, Alceu vai trabalhar como jornalista na sucursal do “Jornal do Brasil” em Recife. “Foi ali que eu fiquei sabendo que ia ter o tal Festival Internacional da Canção. Me inscrevi e cantei no Maracanãzinho. Comecei a compor com meu tio Rinaldo e a participar de festivais universitários, até casar e ir morar no Rio. Lá, conheci Geraldo Azevedo, gravamos um disco e a coisa ganhou outra dimensão, essencialmente artística. Logo depois, fomos convidados para fazer um musical de Sérgio Ricardo, chamado ‘A Noite do Espantalho’”, conta.

Com o show “O Ovo e a Galinha”, em Recife, veio a indicação para assinar com a Som Livre, que rendeu os discos “Molhado de Suor” (1974) e “Vivo!” (1976). “O ‘Vivo!’ revolucionou o Rio de Janeiro, na época, porque misturei o timbre do rock, a distorção da guitarra elétrica. Alguns achavam que era rock, outros que eu estava desmoralizando o baião. Até que perguntei o que Luiz Gonzaga achava, e ele disse: ‘Alceu, seu conjunto é uma banda de pífano elétrica’”, relembra. “O show passou dois meses no Rio de Janeiro, com uma banda que tinha inclusive Zé Ramalho, da Paraíba. Os primeiros foram um desastre, depois começou um reboliço e encheu de vez. O povo falava: ‘Você é tão doido que eu vou lá ver seu show’”, diverte-se.

Agenda

O QUÊ. Alceu Valença Acústico

QUANDO. Hoje, às 21h

ONDE. Cine Theatro Brasil Vallourec (rua dos Carijós, 258, centro)

QUANTO. R$ 140 (inteira) e R$ 70 (meia-entrada)

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