Cinema

Olhares para a preservação

Plano Nacional de Preservação é apresentado durante a CineOP, mas esbarra na falta de diálogo com o atual governo

Seg, 26/06/17 - 03h00
Memória. Filme “Desarquivando Alice” abriu a 12ª CineOP | Foto: Leo Lara / Divulgação

Ao longo das últimas quatro décadas foram diversas as tentativas de se construir um documento capaz de reunir as principais demandas consideradas fundamentais para estabelecer uma política de preservação do audiovisual brasileiro. Porém nenhuma delas seguiu adiante até 2016, quando um grupo de especialistas nessa área se reuniu durante a CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto para construir a primeira versão do Plano Nacional de Preservação, que foi apresentado na última sexta-feira, um dia após a abertura oficial da 12ª edição do evento.

A divulgação desta iniciativa aconteceu durante um debate em que estava prevista a participação de Mariana Ribas, secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura (MinC), contudo ela não esteve presente, em razão da instabilidade na pasta. No início deste mês, o cineasta João Batista de Andrade, na esteira dos anteriores, Marcelo Calero e Roberto Freire, pediu demissão do comando do Ministério da Cultura, que atualmente está acéfalo.

Dessa forma, o encaminhamento do trabalho para as instâncias governamentais permanece suspenso, o que interrompe um percurso iniciado em 2015, quando Pola Ribeiro, secretário do Audiovisual durante a gestão de Juca Ferreira no MinC, solicitou aos integrantes da Associação Brasileira de Preservação do Audiovisual a escrita do texto que resulta agora no Plano Nacional de Preservação.

“Nós ficamos com um plano, mas sem nenhum interlocutor na frente governamental. Uma das coisas que estamos discutindo agora é o que podemos fazer diante disso e quais frentes podemos agitar em termos de ações individuais para avançarmos com essa proposta”, diz Carlos Roberto de Souza, presidente da associação.

Eixos e saídas. Ele explica que o projeto contempla três principais pilares envolvendo questões jurídicas, de qualificação dos acervos e de formação. “A parte jurídica se relaciona com algumas medidas normativas necessárias para regular o sistema de preservação do audiovisual brasileiro. A segunda vertente visa capacitar os arquivos de modo que eles tenham condições mínimas. Hoje temos instituições que estão lá em cima em termos de qualidade e outras muito pobres, que não conseguem fazer o inventário de suas coleções. Isso nos permitiria saber o que existe em termos de audiovisual no Brasil, porque hoje nós desconhecemos grande parte dessa produção”, diz. “O terceiro aspecto se conecta à educação e nisso somos bem ambiciosos, porque pensamos em introduzir essas questões desde a infância, para desde cedo despertar nas crianças essa consciência para o patrimônio audiovisual brasileiro”, completa.

Ines Aisengart Menezes, pesquisadora e curadora da Mostra Preservação da CinOP, ressalta que uma das principais propostas do plano é a criação de uma linha dentro do fundo setorial do audiovisual, que permitiria o financiamento de projetos de preservação. “A preservação audiovisual atualmente não está no fundo porque a Ancine (Agência Nacional do Cinema), de acordo com a fala do diretor Roberto Lima, é uma agencia de fomento a produção, e isso inclui a distribuição e a exibição, mas não a preservação dos filmes”, afirma Ines. “Foi falado que o fundo setorial é voltado para projetos com retorno de investimentos e, nesse caso, a preservação audiovisual não tem retorno de um investimento o a curto prazo”, acrescenta.

Ela observa, ainda, a relação conflituosa entre o aumento da produção de filmes nacionais e o funcionamento dos acervos. “O investimento em produção gera uma demanda muito grande para os arquivos, seja em forma de necessidade de imagem para incluir nas produções ou imagens para pesquisas históricas ou de referência. Hoje os produtores estão muito insatisfeitos com as instituições de guarda, porque elas não conseguem atendê-los, pelo volume da demanda, e, paralelamente a isso, a maior quantidade de trabalhos também gera outro montante de obras que precisam ser preservadas”, relata ela.

Articulação. A cineasta Alice de Andrade, durante um dos seminários voltados à temática da preservação da CineOP, lamentou que o momento político atual ameace desfazer alguns percursos desenvolvidos na área da preservação. Ela, inclusive, entre 2003 e 2007, trabalhou no projeto de restauração da obra completa do seu pai, o diretor Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988).
“Com essa crise danada, a gente chega de novo num momento de vazio em relação às políticas públicas, mas ao mesmo tempo com essa classe toda se falando numa articulação extraordinária. Tudo o que está nesse plano é maravilhoso de tão completo, porém me parece agora mais difícil de realizar. Mas o que eu vejo como importante é compartilhar essas experiências de pessoas que se articulam para exibir seus patrimônios”, pontua Alice.

 

Destaque

Chicago exibe curta na CineOP

Recentemente eleito o melhor filme pelo júri popular do Global Girls Film Festival, em Chicago, nos Estados Unidos, o curta-metragem “Marina Não Vai à Praia”, do mineiro Cássio Pereira dos Santos, também foi exibido durante a programação da CineOP. Esta é a segunda vez que o trabalho do diretor ganha projeção em eventos internacionais. Em 2009, seu outro curta, “A Menina Espantalho”, também foi selecionado para o Festival de Curtas de Tóquio.

A experiência adquirida com esse trabalho, que narra o cotidiano de uma garota do interior de Minas Gerais em sua luta para continuar os estudos, norteou algumas escolhas realizadas na construção do filme mais recente. “Em ‘Marina Não Vai à Praia’ eu vi a possibilidade de formatar o filme para o público infantil, mas sem deixar de pensar na linguagem cinematográfica de maneira criativa também”, afirma.

Neste, ele conta ter se interessado em dar autonomia a uma personagem com síndrome de Down, que sonha em conhecer a praia enquanto vive numa pequena cidade mineira. “Eu quis construir a personagem de forma que ela pudesse ter voz própria e que o desejo dela fosse importante no sentido de que ela possa pensar a própria vida e não que os outros a pensem para ela. Por mais que existam alguns cuidados excessivos da mãe, ela é realmente uma protagonista que passa por um processo de transformação, em que se torna dona de si”, acrescenta Santos, que atualmente tem um novo curta em fase de finalização a ser lançado entre este ano e o próximo, além de dois projetos de longa-metragens.

“Esse curta também será direcionado ao público infanto-juvenil e, em breve, eu devo começar o processo de inscrição em festivais. Um dos longas é desdobramento de ‘A Menina Espantalho’, para o qual eu peguei a essência do filme para produzir o roteiro. Estamos em fase de captação para esse trabalho. O outro será uma história voltada ao público adolescente”, conclui ele. (CAS)

O repórter viajou a convite da organização do evento

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