Entrevista

Olhares sobre a vida de Tom

Dom, 20/08/17 - 03h00

Luca Bacchini - Pesquisador

Italiano, estudioso da obra de Chico Buarque e ex-professor de literatura portuguesa e brasileira na Universidade de Bologna, Luca Bacchini lança nesta terça, na livraria Quixote, o livro “Maestro Soberano: Ensaios sobre Antonio Carlos Jobim”. A coletânea reúne textos de 11 estudiosos de Tom Jobim – que morreu há 23 anos – e que foram organizados por Bacchini. O trabalho apresenta um panorama da vida e da obra do compositor.

No livro estão reunidos desde ensaios de pessoas que conviveram com Tom Jobim, a exemplo da fotógrafa e segunda mulher do compositor, Ana Lontra Jobim, a escritos de especialistas que estudaram a obra do maestro soberano à exaustão. Como se deu o processo de organização desses textos? Os autores não são todos especialistas de música, porém todos já realizaram pesquisas sobre Tom Jobim. Poucos compositores na história da música despertaram um interesse tão variado e entusiasmado em outras disciplinas. Jobim, de fato, não deixou apenas um songbook (livro de partituras) de música brasileira, mas uma obra de interpretação do Brasil.

O senhor argumenta que existem poucos estudos sobre Tom Jobim, mesmo o artista sendo considerado um dos maiores expoentes da música popular brasileira. Por que ele não despertou especial atenção nos estudiosos da música do país? Quais estudos já existentes sobre ele podem ser destacados? Até hoje, a bibliografia sobre Tom Jobim é dominada por uma vertente biográfica em que, obviamente, a reconstrução dos acontecimentos prevalece em relação à análise da obra. Isso não é um defeito da crítica, mas uma tendência. Fora disso, encontramos raras exceções, porém de alta qualidade, como o livro “Tom Jobim”, de Cacá Machado, e “Três canções de Tom Jobim”, de Arthur Nestrovski, Luiz Tatit e Lorenzo Mammì.

Tom Jobim vai se revelando por meio dos autores que o escreveram. Há uma faceta pouco conhecida do artista? Qual? Na verdade, há várias e diferentes facetas poucos conhecidas: o homem de letras que escrevia longos poemas; o arquivista que, ainda vivo, cuidava da preservação de sua obra para as futuras gerações; o viajante incansável e cosmopolita que, porém, odiava pegar o avião; o teimoso defensor do meio ambiente que defendia a natureza antes da existência da ecologia; o leitor apaixonado e obsessivo de Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade; o músico de formação culta e erudita.

Logo no primeiro parágrafo da apresentação do livro, o senhor denota que “a ideia de organizar um livro de ensaios dedicado a Antonio Carlos Jobim nasceu desligada da lógica especulativa dos aniversários”, uma vez que o compositor completaria 90 anos em 2017, caso estivesse vivo. Por que retirar a publicação desse âmbito comemorativo? Na vida cotidiana, não precisamos esperar o dia do aniversário ou da morte para lembrar pessoas queridas ou admiramos. Esse princípio vale também para uma figura imprescindível no âmbito da cultura brasileira como é Tom Jobim. Na verdade, a coincidência entre a data de publicação e a celebração dos 90 anos, foi uma consequência do atraso com a revisão e a finalização do volume.

Nos ensaios, os autores se empenharam na busca por uma reflexão crítica da obra jobiniana que vai além das músicas. O que é possível encontrar depois da análise musical de Tom? A ideia da antologia é a de destacar a força interdisciplinar da obra de Tom Jobim e sua capacidade de criar conexões tanto virtuosas quanto improváveis entre áreas diferentes do conhecimento, como a ecologia, a literatura, a poesia, a linguística, a arquivística, as ciências naturais e, naturalmente a música. O que emerge dessas contaminações e desses cruzamentos é a presença de um pensamento jobiniano, de uma proposta interpretativa do país.

O amor pelo Brasil é uma das marcas que Tom Jobim imprimiu em seu legado. De que forma isso é perceptível no livro? O traço mais marcante do amor de Jobim pelo Brasil está provavelmente na curiosidade insaciável pela realidade do país, considerada em seus vários aspectos culturais e científicos. A música foi o recurso mais eficiente que ele encontrou para suportar seu constante esforço de compreensão. No livro, fica bastante evidente como a grandeza do compositor dependia também de outros conhecimentos: do estúdio da ornitologia e biologia, da intensa frequentação com a literatura, da paixão pela linguística, da preocupação com a ecologia, das longas conversas com mateiros e caçadores.

O senhor lista uma tríade que sustentou a obra e a vida de Tom: harmonia, utopia, Brasil. Por que e como as elegeu? Jobim sempre procurou a harmonia. Ele dizia que, como compositor, tentou “harmonizar o mundo”. Esse tipo de luta foi conduzida dentro e fora do pentagrama. Na música, a harmonia é o estudo das sobreposições dos sons. Na vida, é a ideia de que, elementos diferentes, às vezes de signos opostos, possam conviver entre si. Essa ideia, provavelmente utópica, era para Jobim o grande desafio que o Brasil tinha o dever de enfrentar.

É difícil delimitar Tom em definições, já que ele foi “complexo, mas não complicado”. De que forma o compositor passeava por obras tão sofisticadas e ao mesmo tempo acessíveis? Há uma diferença substancial entre o que é simples e o que é fácil. Na arte e na cultura em geral, a tarefa mais difícil é simplificar, sem banalizar, o que é complexo e aparentemente inatingível, para que seja acessível aos demais. Os artistas e os intelectuais que conseguem fazer isso realizam uma contribuição inestimável à educação e ao crescimento de um povo.

O senhor levanta a questão de que Tom compreendeu tão bem o Brasil porque estava impressa nele próprio a realidade brasileira de asfalto/morro, costa/sertão, cidade/interior, progresso/natureza. Exemplifique essa afirmação. O Brasil é um país de grandes diversidades, onde, porém, a dialética entre os opostos nunca é resolvida por uma síntese conciliadora. Todos os grandes intérpretes do Brasil, incluído Tom Jobim, tiveram a capacidade de transitar, física e culturalmente, entre os contrastes do país e desenhar utopias onde as contradições e os paradoxos não são anulados, mas exaltados.

Existem músicas que melhor traduzem Tom? Quais?
Muitas vezes essa pergunta foi dirigida ao próprio Tom. Vou usar a resposta que ele dava. Um compositor escreve 300, 400 músicas. Todas são representativas de um estilo e todas são fruto de uma longa labuta de composição. Algumas, porém, fazem mais sucesso que as outras. Isso, infelizmente, é inevitável.

No fim das contas, quem foi o Maestro Soberano? No ano passado, um aluno me disse ter começado a ler Guimarães Rosa depois de ter ouvido “Matita Perê”. Bom, é essa a grandeza do Maestro Soberano.

 

CRÉDITO
Livro “Maestro Soberano: Ensaios sobre Antonio Carlos Jobim” (Editora UFMG, R$ 69, 328 páginas) será lançado nesta terça-feira (22), às 18h30, na Quixote Livraria e Café

 

 

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