“Logan Lucky”

Onze caipiras e uma piada sem graça

Steven Soderbergh suspende aposentadoria para fazer comédia desafinada

Qui, 12/10/17 - 03h00

Acima de tudo, o norte-americano Steven Soderbergh é um artista que gosta de experimentar. Ele é um cineasta que, a cada novo projeto, precisa testar uma ferramenta ou uma forma de manipular a linguagem audiovisual – seja no formato narrativo, no uso da câmera ou na edição. Repetir algo que já fez antes não lhe atrai.

Mas o que acontece com experiências é que às vezes elas funcionam e às vezes, não. Infelizmente, esse último é o caso de “Logan Lucky: Roubo em Família”, que estreia nesta quinta-feira (12). Não é difícil imaginar o que Soderbergh viu no roteiro da estreante Rebecca Blunt: a possibilidade de revisitar um gênero que ele já domina, o filme de assalto, e despi-lo de todos os seus cacoetes – a edição moderninha, a trama acelerada e os diálogos espertinhos que o próprio diretor imortalizou com “Onze Homens e um Segredo”. E realizá-lo num outro ritmo, respeitando uma lógica mais realista e o tempo de seus personagens. Só que o resultado não funciona.

A história acompanha dois irmãos: Jimmy (Channing Tatum), manco; e Clyde Logan (Adam Driver), que perdeu a mão esquerda no Iraque. Quando Jimmy é demitido de seu emprego e a ex-esposa (Katie Holmes) ameaça se mudar com a filha para longe, ele propõe ao irmão um assalto ao cofre do autódromo da cidade deles, na Virgínia Ocidental, para provar de uma vez por todas que a família não é amaldiçoadamente azarada.

Para isso, eles precisam da ajuda do especialista em cofres Joe Bang (Daniel Craig) – que está na prisão e precisa ser resgatado de lá. Só que, como em todo filme do gênero, nem tudo sai como planejado, e eles são obrigados a realizar o roubo durante uma corrida da Nascar no autódromo.

Blunt usa essa trama para fazer um retrato da América caipira – os chamados “white trash”, eleitores de Trump. Sadie (Farrah Mackenzie), filha de Jimmy, compete em concursos de miss infantil, as mulheres se vestem e se maqueiam como peruas, e os homens passam o dia enchendo a cara e tendo ideias estúpidas.

O problema é que Soderbergh nunca parece encontrar o tom cômico adequado para que isso funcione como uma sátira debochada, em vez de desconfortavelmente preconceituoso. O diretor adota uma abordagem sóbria do material, ousada no sentido de que parece ir contra o ritmo e o timing sugeridos pelo roteiro. E o resultado é que nenhuma das piadas cumpre seu potencial, e a trama se arrasta, caminhando no ritmo “simplório” dos Logan – nas palavras de Joe Bang.

O cineasta tenta inserir uma justificativa para essa estranha cadência no final, quando a pequena Sadie se lança num inusitado monólogo sobre gelatos – sorvetes mais cremosos e gostosos porque são misturados mais lentamente. Só que, além de nada sutil, a analogia soa como uma desculpa esfarrapada e pedante para o tom desafinado do filme.

O curioso é que, no papel, Tatum e Driver são as escolhas ideais para a proposta de Soderbergh. O primeiro já mostrou carisma e respeito para criar personagens tapados e irresistíveis em “Anjos da Lei”. E o segundo deu, em “Paterson”, uma aula da sutileza e do humor quase mudo almejado pelo cineasta.

Só que, em “Logan”, os dois parecem fora de sincronia com o timing da história. E quem acaba se destacando é Craig, fugindo da carranca sisuda de James Bond com um coadjuvante espalhafatoso e desbocado. Ele é o único da produção que parece captar o tom da história – e se o resto do filme tivesse tomado o que ele tomou antes das filmagens, a diversão que o ator parece estar tendo na tela se estenderia também para o lado de cá da sala. 

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