Biografia

Os deslizes do Dono do Baú

Escrita por Mauricio Stycer, “Topa Tudo por Dinheiro” aponta os erros de Silvio Santos sem negar as vitórias

Qua, 19/09/18 - 03h00

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Mauricio Stycer acaba de lançar uma nova biografia sobre Silvio Santos, que, como de praxe, preferiu não conceder entrevistas. Pelas contas do autor, esta é, pelo menos, a sexta publicação que se dedica a contar a vida do camelô que ficou milionário. O próprio Stycer tem sua teoria para tamanho interesse em torno da mesma figura: “Ninguém consegue imitar o jeito do Silvio”, garante o jornalista.

A afirmação soa contraditória quando se fala, justamente, do apresentador que tem um número recorde de imitadores no país. Dos humoristas Wellington Muniz (o Ceará) e Marcelo Adnet a anônimos ilustres, há um sem-número dos que divertem a si e aos outros reproduzindo a risada característica e os trejeitos caricaturais do Dono do Baú da Felicidade.

A tese de Stycer, no entanto, vai em outra direção. “Ele é o único na história da televisão brasileira que ocupa, ao mesmo tempo, três papéis: empresário, animador e diretor de programação”, diz. Para trazer algum frescor a “Topa Tudo por Dinheiro: As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos”, Stycer procurou algo de que sentia falta nos livros já lançados, que, via de regra, mantinham o biografado no posto de mito incontestável. Sem ignorar as vitórias, ele mostra um Silvio que, não raro, acreditou no pedestal que ele mesmo ajudou a erguer e no qual acabou escorregando.

“Ele tomou decisões geniais e outras bestiais ao longo de sua trajetória”, avalia Stycer. Para o crítico de TV, vários dos equívocos de Silvio se concentraram na seara política. Em 1989, a menos de um mês das eleições presidenciais, o dono do SBT decidiu que seria candidato ao cargo máximo do executivo no país. A aventura só não teve sucesso porque o à época desconhecido Eduardo Cunha descobriu brechas eleitorais para impugnar a candidatura.

No pouco tempo de campanha, Silvio chegou a liderar a acirrada disputa, que terminou com a vitória de Fernando Collor contra Lula. “Foi uma atitude que mostrou até certo desdém e egoísmo dele, como se ele fosse mais importante que tudo aquilo. Ele deixou que a vaidade o guiasse e ambicionou ter o Brasil inteiro como audiência, o que é uma maluquice. Chego a suspeitar que, naquele período, ele perdeu a lucidez, foi uma fase conturbada para o Silvio”, observa Stycer, que considera que o apresentador brasileiro “antecipou o (Donald) Trump em 30 anos”.

Filiado ao Partido Municipalista Brasileiro, Silvio disputou outros pleitos até 1992, mas nunca conseguiu se eleger. A estratégia, então, passou ser a de se aproximar dos donos do poder. “Ele age como qualquer empresário, bajulando, puxando o saco, algumas vezes até de forma constrangedora, como quando criou a ‘Semana do Presidente’ para bajular o ditador (João) Figueiredo”, aponta Stycer.

Além de “relações cordiais que não levavam em conta o partido do presidente para defender os próprios interesses”, Silvio esteve no centro de episódios em que foi acusado de machismo, racismo e homofobia.

“Vejo isso de duas maneiras: o Silvio vai fazer 88 anos, foi educado em outra época, com valores diferentes. Por outro lado, se ele continua à frente de um programa de TV, com quatro horas diárias no ar, é justo que se reclame dele. Não quero ser sentencioso, é uma questão para se pensar”, conclui Stycer.

Polêmicas envolveram até Ministério Público

Em setembro de 2017, Silvio Santos foi alvo de uma polêmica que envolveu até o Ministério Público de São Paulo, quando o órgão processou o SBT por uma fala do apresentador direcionado à atriz Maisa Silva, então com 16 anos. Na ocasião, Silvio insistiu para que ela beijasse o também ator Dudu Camargo e teve que ser várias vezes repelido pela garota.

A pecha de machista imediatamente alcançou o apresentador nas redes sociais, mas não foi exatamente uma novidade na carreira de Silvio. Uma das críticas de Mauricio Stycer que aparecem na biografia é a “alergia de Silvio ao jornalismo independente”. A escritora Adelaide Carraro chegou a exercer a função de repórter na emissora. O livro “No Mundo Cão de Silvio Santos” (1980), de Shirley de Queiroz, toma como ponto de partida os assédios que Adelaide teria sofrido por parte do apresentador. Elke Maravilha, que trabalhou no STB, foi outra a vocalizar essas denúncias.

“O Silvio sempre teve um comportamento contestado, mas que, sem a internet, não repercutia tanto. Apesar disso, nesses tempos de polarização, eu observo que a torcida a favor dele ainda é maior”, atesta o jornalista Rafael Fialho, doutorando em comunicação pela UFMG.

O crítico de TV Nilson Xavier corrobora. “Silvio é uma pessoa muito controversa, que à primeira vista é adorada pelo público brasileiro de várias gerações, que o acompanha há 50 anos e, por isso, cultivaram essa aura em torno dele. Acho justo termos biografias que mostrem o outro lado”, ratifica. Fernando Morgado, que em 2017 lançou “Silvio Santos: A Trajetória do Mito”, arremata: “Apesar das polêmicas, é inegável como ele se mantém um tema relevante entre os mais jovens, é uma relação complexa, afinal de contas, há um confronto de gerações”.

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