Literatura

Outro olhar para a infância 

Obra completa de Wander Piroli e alguns inéditos são lançados pela Cosac Naify, começando pelos livros infantis

Dom, 12/10/14 - 03h00

Quando publicado em 1975, “O Menino e o Pinto do Menino”, de Wander Piroli (1931–2006), foi considerado uma obra ousada para o segmento da literatura infantojuvenil. Houve até quem se incomodou com a brincadeira contida no título em razão de uma possível conotação sexual. Outros estranharam o tom realista do livro, que é uma das marcas do estilo do escritor mineiro.

Apesar disso, a história, centrada na relação de um garoto e seu animal de estimação, se tornou uma das suas narrativas mais conhecidas e, ao lado de outras, contribuiu para projeta-lo como um dos principais contistas brasileiros. Prevista para ser relançada no ano que vem, pela editora Cosac Naify, “O Menino e o Pinto do Menino” virá a público junto com outras oito ficções do autor voltadas a esses leitores. Algumas inéditas, como “Três Menos Um É Igual A Sete”chegou às livrarias, recentemente, com “O Matador”.

A proposta, ao contemplar também a produção adulta de Piroli, vai colocar em circulação a obra completa do mineiro. Isabel Lopes Coelho, diretora do núcleo infantojuvenil da casa editorial, explica que a ideia de começar pelos livros infantis foi motivada pela organização desse acervo que se encontra mais avançada.

“Nós vamos ainda precisar de um tempo maior para reunir a parte da ficção adulta. Antes de republicar as obras, estamos consultando os originais para que os livros tenham um tratamento adequado. Até o presente, a obra de Piroli se achava desmembrada e agora, pela primeira vez, ela começa a entrar novamente em circulação com uma abordagem mais cuidadosa”, afirma Coelho.

Ela sublinha que, além de “Três Menos Um É Igual A Sete”, outras novidades a aparecer em breve são “Os Peixes Saem Andando”, “Se Não Tem pra Nós, Não Tem pra Ninguém” e “Nem Filho Educa Pai”. Para ela, isso vai significar um reencontro com a literatura do autor que lidou com o tema da infância sem exercer uma perspectiva idealizada.

“Os textos de Piroli focam, especialmente, o ambiente familiar, revelando as alegrias, mas também as angústias e as decepções das crianças em relação a situações comuns da vida. ‘Três Menos Um É Igual a Sete’, por exemplo, lida com a questão dos limites que os pais transmitem aos filhos. Já ‘O Menino e O Pinto do Menino’ aborda a criação de animais domésticos. Em torno dessas histórias, há um olhar para o cotidiano infantil que é muito próximo da nossa realidade”, observa a organizadora.

Para ela, o que as pessoas talvez considerem chocante é justamente a maneira como ele dá voz aos sentimentos dos personagens infantis. “Ele dá uma autonomia grande a elas que, às vezes, se reconciliam com o mundo adulto, mas em outros momentos expressam um grande descontentamento. Então, há criança batendo porta, como tantas outras fazem no dia a dia. Piroli trata de coisas muito simples, mas com grande beleza. Ele nos fazer perceber essa etapa da vida de uma maneira menos idealizada, ao contrário de tantos outros autores”, afirma.

Silvana Piroli, filha do escritor, recorda que o pai não fazia muita diferença entre literatura adulta e infantil. Por isso, em ambas as vertentes, ele apresenta um tom semelhante. “O conto ‘O Menino e O Pinto do Menino’, por exemplo, era entendido por ele como uma história adulta. Foi o editor que disse que ela iria inaugurar uma série infantil. Aquilo não agradou muito o meu pai, mas depois ele consentiu”, afirma ela, que guardou os textos inéditos até levá-los a Cosac Naify.

Ela frisa que ele gostava de falar sobre aspectos da realidade, desde questões como morte, violência ao meio ambiente, sem floreios, o que gerava polêmicas. “Seus livros encontravam resistências, mas ele dizia que não ia mudar. O interessante é que ele não fazia isso para dar lição de moral. Ele detestava a ideia de livros sobre encomenda para serem usados em escolas”, diz Silvana.

O ilustrador Odilon Moraes, que assina as aquarelas de “O Matador”, “Dois Irmãos” e “Nem Filho Educa Pai”, frisa que Piroli abriu um caminho atualmente bastante exercido, com títulos a exemplo de “Os Rios Morrem de Sede”. Contudo, ele revela que a maneira como o autor trabalha esses assuntos é completamente diferente da maioria do seus seguidores. “Ele trouxe uma percepção realista para o universo da literatura infantil sem a pretensão de ser didático. Hoje em dia, nós vemos muitos que fazem o oposto daquilo que ele se dedicava. Mais do que tocar em aspectos sociais, Piroli trata de indagações de caráter existencial que são muito interessantes. Essa iniciativa pode provocar esse reconhecimento”, conclui Moraes.

Saiba mais

Lista completa dos títulos infantis que saem pela Cosac Naify.

Ilustrados por Odilon Moraes:
“O Matador”
“Nem Filho Educa Pai (inédito)
“Os Dois Irmãos”
“Os Peixes Saem Andando” (inédito)

Ilustrados por Lélis:
“Três Menos Um É Igual A Sete” (inédito)
“O Menino e O Pinto do Menino”
“Os Rios Morrem de Sede”
“Macacos me Mordam!...”
“Se Não Tem pra Nós, Não Tem pra Ninguém” (inédito)

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