“Creed – Nascido para Lutar”

Para levar marmanjos às lágrimas  

Sexto capítulo da saga de Rocky Balboa no cinema, longa prova imortalidade de universo criado por Stallone

Qua, 13/01/16 - 03h00
Icônico. "Creed – Nascido para Lutar" introduz iconografia de Rocky para uma nova geração | Foto: Warner Bros. Pictures / Divulgação

“Rocky” sempre foi sobre lutas impossíveis de vencer. E dada essa impossibilidade, por que você luta, e como luta, definem quem você é. No original, o protagonista lutou para provar que não era um “vagabundo”. Era uma batalha contra uma morte em vida, contra o esquecimento, a rendição – essencialmente, contra ele mesmo e seus defeitos.

Em “Creed – Nascido para Matar”, sexto capítulo da saga que estreia nesta quinta, Adonis Creed (Michael B. Jordan) luta contra uma sombra, um vazio impossível de ser preenchido – não por acaso, seu último adversário surge na tela como uma sombra. Filho bastardo de Apolo Creed, é assombrado pelo fantasma em sua mente que não sabe se ele é um legado ou um deslize do pai. E para exorcizá-lo, após ser criado por Mary Anne (Phylicia Rashad), esposa de Apolo, Adonis pede a Rocky (Sylvester Stallone), que o treine e faça dele um lutador à altura do pai que ele nunca conheceu.

Ao fazer isso, o diretor e roteirista Ryan Coogler coloca o “garanhão italiano” novamente numa batalha contra a rendição, o esquecimento – e a solidão da velhice. Ele dá a Rocky um motivo para encarar, como um campeão, a luta impossível final, contra a mortalidade.

Se o longa original usava o retrato social da comunidade ítalo-americana da Filadélfia para falar sobre família, “Creed” faz isso por meio de relações paternais partidas e cruzadas – especialmente aquela entre Rocky e Adonis. E isso, meu amigo – homem, heterossexual, barbado, de pelo debaixo do braço – vai te fazer chorar. Porque, assim como no ótimo “Fruitvale Station”, Coogler tem um talento e um olhar masculinos para retratar homens fortes, imperfeitos, que usam a violência para mascarar sua dor, até que essa dor vem à tona – com uma perda, uma frustração, um arrependimento – e te pega de surpresa e te ensina um pouco sobre o que é ser homem. Acredite: você vai se sentir mais homem após chorar vendo “Creed”.

Para isso, ironicamente, o cineasta conta com a ajuda de uma mulher. Coogler usa a câmera da diretora de fotografia Maryse Alberti (“O Lutador”) para materializar na tela essa sombra e esses fantasmas que assombram Adonis. Alberti parece girar em torno do protagonista o tempo todo, quase o cercando. Uma abordagem que tem ápice na primeira luta de Adonis sob o treinamento de Rocky, que Coogler filma num plano-sequência magistral para fazer com que o espectador sinta o mesmo nervosismo e tensão do personagem. Alberti entra em ringue com o protagonista, e dança com ele e o adversário, numa cena que prova aquela teoria de que o boxe é, na verdade, um balé e faz dela uma das diretoras de fotografia mais promissoras nos EUA hoje.

O coração de “Creed”, no entanto, bate nas performances de Jordan e Stallone. Este último, especialmente, resgata o mesmo carisma e vulnerabilidade que renderam ao longa original o Oscar de melhor filme. Desta vez, porém, eles são acompanhados pelo peso dos anos, das perdas de Adrian, Apolo e do abandono do filho – que Rocky canaliza tudo para essa última chance na relação com Adonis. E assim como o personagem diz ao pupilo em certa cena, “ele é seu próprio inimigo”: Stallone só perde o Oscar se, assim como Eddie Murphy anos atrás, tiver criado tantos desafetos ao longo dos anos que é derrotado por sua própria fama de difícil.

Independente disso, porém, “Creed” é uma vitória para o astro. O longa de Coogler prova que Stallone criou um dos personagens e uma das imagens mais icônicas da história do cinema, que o diretor só ousa revisitar na cena final – mas que reimagina como a trajetória de Adonis durante todo o filme. Para fazer marmanjo barbado chorar.

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