Livro

Parceiro de Noel Rosa, Vadico tem importância marcada em biografia

A quantidade e o tamanho dos feitos descritos dão a medida do peso de Noel Rosa para a vida de Vadico

Sáb, 23/09/17 - 03h00

Antes de morrer em junho de 1962 nos braços do compositor Wilson das Neves dentro dos estúdios da gravadora Columbia, em razão do terceiro infarto que sofria, o herói do novo livro de Gonçalo Júnior acompanhou Carmen Miranda durante o auge da cantora nos Estados Unidos, tornou-se diretor musical de filmes da Disney, compôs músicas de temática afro para a bailarina norte-americana Katherine Dunham, empreendeu parcerias com Braguinha, Lamartine Babo e Heitor dos Prazeres e foi o pianista de Roberto Carlos na estreia do futuro Rei na boate carioca Plaza. Só para completar, viveu uma paixão frustrada com a “Mulher-Gato” (na verdade, sua intérprete na década de 60, a bailarina, atriz e cantora americana Eartha Kitt).

A quantidade e o tamanho dos feitos descritos dão a medida do peso de Noel Rosa para a vida de Vadico, tanto na glória quanto em sua ruína. A biografia “Pra que Mentir?: Vadico, Noel Rosa e o Samba”, lançada pela editora Noir, não esconde, nem no título, a tese que pretende desconstruir ao longo das 412 páginas: a de que o autor das melodias de “Feitio de Oração”, “Conversa de Botequim” e “Feitiço da Vila” foi “apenas” o parceiro do mais famoso “Poeta da Vila”. “Vadico foi excepcional arranjador, compositor e pianista, era admirado por todos os grandes músicos da época, tanto que foi convidado pelo Vinicius de Moraes para compor a trilha da peça ‘Orfeu da Conceição’”, recorda o autor.

A oportunidade apareceu quando Vadico voltava dos Estados Unidos, após 15 anos morando fora do Brasil, quando se uniu a uma companhia de artistas negros e escolheu as músicas “Na Baixa do Sapateiro” e “Aquarela do Brasil” para integrar duas animações da Disney: “Você Já Foi à Bahia?” e “Alô, Amigos!”, ambas de Ary Barroso. “Vadico é tido como alguém que perdeu o bonde da história. O que se contava é que ele tinha ‘amarelado’ por não se julgar à altura da tarefa, mas o que eu descobri é que sua saúde estava muito abalada depois de dois infartos”, defende Gonçalo Júnior. Com a recusa, Vinicius decidiu por Tom Jobim. “Vadico poderia ser um dos pais da bossa nova, com João Gilberto, Vinicius e Tom”, acredita o entrevistado.

Tragédia. Uma característica se repete nos trabalhos que Gonçalo Júnior tem lançado. Antes de Vadico, ele biografou Assis Valente (autor de “Brasil Pandeiro”) e Evaldo Braga (do clássico “Sorria, Meu Bem”). O primeiro cometeu suicídio em praça pública ao tomar veneno, enquanto o segundo foi vitimado por um acidente de carro aos 25 anos, no auge da carreira. “Sou atraído por personagens que ficaram à margem e tiveram uma existência rica, fascinante e trágica”, admite o escritor. A tragédia de Vadico foi a invisibilidade. “Eu não sabia que a vida dele havia sido assim”, diz.

A alcunha que passou a perseguir Vadico, na verdade, foi buscada por ele próprio. Se a obra de Noel ficou completamente esquecida até ser resgatada por Aracy de Almeida no décimo ano da morte prematura do compositor (ocorrida em 1937 aos 26 anos), a efeméride seguinte reservou uma polêmica iniciada no programa “Um Instante, Maestro!”, comandado por Flávio Cavalcanti na TV Tupi do Rio de Janeiro. “Depois que voltou ao Brasil, o Vadico começou a brigar com as gravadoras para as quais o Noel havia vendido as parcerias dos dois sem seu consentimento, e por isso não aparecia seu nome”, conta Gonçalo Júnior.

A batalha de 1957 se estendeu por mais de seis meses e resultou em muitos desafetos para Vadico (nascido Osvaldo Gogliano, em São Paulo), como o do compositor e apresentador Almirante, que defendeu publicamente Noel. Além disso, foi atingido pela doença que o acompanhou até o fim da vida: o alcoolismo. “O Nássara (desenhista e compositor de marchinhas) dizia que a casa do Vadico era garrafa para todo lado. Ele ficou muito machucado com essa história. A esposa do Noel o chamou de traidor”, revela Gonçalo Júnior. “Apesar de tudo, ele tentava preservar a imagem do Noel, só queria o justo, porque os dois foram muito cúmplices”, observa. Os motivos para a venda sem autorização seriam “a vida desregrada de Noel”. “Música não dava dinheiro, assim como hoje”, conclui.

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