Entre inúmeras melodias que recebeu de encomenda para agregar seus disputados versos, Chico Buarque mantém em sua fila de espera “Canção Cubana”, música de Zé Renato gravada apenas como tema instrumental no álbum “Papo de Passarim” (2011). O que poderia ser apenas mais uma parceria entre um dos maiores letristas do país e o dono de melodias que encantaram de Tom Jobim a Milton Nascimento expõe uma afinidade antiga, mas só revelada agora no show “Zé Renato Canta Chico Buarque”, em apresentação inédita no Teatro Bradesco, hoje à noite.
Logo como primeira impressão, Zé Renato avisa que não quer se afinar aos clichês inerentes a homenagens, como é o caso dos 70 anos de Chico Buarque, completados em junho do ano passado. “Existem milhares de discos com o repertório do Chico Buarque. Por que eu faria mais um? Acho que a única explicação é porque me sinto nu no palco, só com o violão, mostrando a minha visão de toda a beleza dele. Não há nada além dessa espontaneidade”, diz o músico capixaba.
Figura carimbada da MPB desde a década de 1970, tendo feito sucesso com o grupo Boca Livre ao fugir das métricas melódicas convencionas da época, Zé Renato dedicou seus arranjos singulares a poucas releituras, como o repertório de Zé Keti em “Arranha-Céu”, de 1994, e Silvio Caldas em “Natural do Rio de Janeiro”, de 1996 (“talvez os músicos mais fundamentais em minha formação”, considera Zé Renato).
Apesar de ter gravado “Filosofia” (2001), com releituras de Noel Rosa e Chico Buarque, a percepção estética sobre a obra deste último aconteceu apenas em fevereiro deste ano. Durante o Carnaval, foi convidado pelo grupo Chico Folia, de São Luis do Maranhão, a fazer um show despojado, de voz e violão, em função dos 70 anos do carioca. “Quando fiz o show, tocando músicas do Chico que eu nunca havia tocado na vida, senti que poderia interferir na obra dele. Que aquilo também fazia parte da minha formação e das minhas influências rítmicas. As melodias do Chico nunca caminham para o lugar que você tenta supor. Nunca, pode saber”, avalia Zé Renato.
Em um encontro informal no Rio de Janeiro, no início de julho, Zé e Chico trocaram pela primeira vez palavras e acordes durante as gravações do disco de Roberta Sá – que terá participação de Chico na faixa “Se For pra Mentir”, parceria de Cézar Mendes e Arnaldo Antunes.
“O Chico ficou feliz por saber que músicas que ele não canta há tanto tempo vão voltar aos palcos no meu show. Eu cheguei até a falar com ele da história da música ‘Anima’, que está no meu disco ‘Minha Praia’, de 2003. A letra era para ser do Chico, mas o Milton acabou ouvindo e escreveu os versos. Disse a ele que devo ser o único músico do Brasil que desconvidou Chico Buarque de um disco seu”, brinca o compositor.
REPERTÓRIO. Firmado em personalidade própria, Zé Renato não se prende a cronologias da carreira de Chico Buarque e muito menos deixa se levar somente por hinos como “Construção”, “Com Açúcar, Com Afeto” e “Samba e Amor” – presentes em seu repertório. Ao contrário, o músico se apropria das harmonias complexas do compositor carioca, levando ao palco canções que o próprio Chico deixou de cantar em seus últimos shows, incluindo as poucas canjas que deu no Bar Semente, no Rio de Janeiro. No lado B do show, que domina a apresentação, estão canções como “Estação Derradeira”, “Joana Francesa” e “Morena dos Olhos D’água”.
No momento mais intimista da apresentação, Zé Renato se abre a um pot-pourri descontraído, dedilhando pequenos trechos de canções como “Bye, Bye, Brasil”, “Anos Dourados”, “Tatuagem” e “Geni e o Zepelim”.
Com pretensão de rodar o Brasil interpretando repertório de Chico Buarque, Zé Renato também dá como certa a gravação de um CD e um DVD do show. “Isso vai acontecer, sim. E não porque eu considere definitiva minha interpretação do Chico. Mas porque sinto que esse show é um marco na minha carreira”, diz o músico.
Agenda
O QUE. Show – “Zé Renato canta Chico Buarque”
ONDE. Teatro Bradesco (rua da Bahia, 2.244 , Lourdes)
QUANDO. Hoje, às 21h
QUANTO. R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada)
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