Internacional

Polêmicas sobre a programação do FIT-BH

Sem investimento de outros países, espetáculos internacionais “Memória em Tempos Líquidos” e “La Cena” foram criados por artistas estrangeiros que vivem em BH

Dom, 18/05/14 - 03h00
A atriz italiana Anita Mosca de “La Cena” reside há três anos em Belo Horizonte | Foto: Divulgação
A programação internacional do FIT-BH vem sendo alvo de polêmica pela inclusão dos espetáculos “Memória em Tempos Líquidos” e “La Cena”, criados por artistas estrangeiras que vivem em Belo Horizonte e aqui estrearam esses trabalhos no ano passado, como coproduções internacionais, embora não tenham investimento de outros países na criação. A questão se levanta porque influi na contabilidade de espetáculos estrangeiros, um dos argumentos que faria desta a maior edição do festival. Em 2012, foram anunciadas 19 atrações internacionais. Desta vez, são 18.
 
No caso de “La Cena”, a atriz italiana Anita Mosca reside há três anos em BH, onde realiza uma investigação dramatúrgica sobre as condições das mulheres nas favelas, com foco no Alto Vera Cruz. Ela estranha o questionamento sobre estar entre os internacionais. “É um espetáculo de autoria original minha, conta a trajetória de 20 anos de teatro de uma atriz e mistura elementos biográficos e internacionais. Tem algumas cenas na minha língua materna, o napolitano, que são legendadas. A minha proposta é um pouco híbrida, não deixa de ser uma identidade em trânsito”, diz Anita.
 
A produção foi toda feita em Belo Horizonte e o processo de criação passou por fases na capital mineira, na Itália e em Lugano (Suíça). “Com uma peça que não é expressão da cultura local e conta uma experiência estrangeira, que teve processo de construção no exterior e por, ser uma proposta autoral de uma dramaturga italiana que mora apenas há três anos em BH, eu não teria me sentido confortável de dizer que era uma peça local”, explica.
 
Segundo Anita, o material de trabalho foi entregue à comissão de seleção de espetáculos locais quando abriu o edital para o FIT-BH, mas a atriz já avisou que não se encaixaria nas categorias que havia. “Não sou local mas não vão me considerar internacional porque não vão assistir ao meu espetáculo na Itália”, argumentou. 
 
Outro caso é o da atriz uruguaia Jimena Castiglione, que tem substituído a atriz Inês Peixoto em “Os Gigantes da Montanha”, do Grupo Galpão, enquanto Inês grava novela. Jimena vive em BH e inscreveu “Memória em Tempo Líquido” na seleção de espetáculos locais, mas foi convidada pelo FIT para integrar a grade internacional, o que “não se justifica”, diz ela. 
  
A atriz procurou o Consulado Uruguaio para solicitar apoio (em forma de passagens aéreas) a curta temporada em Montevideo, para a qual foi convidada.  “O FIT nos ofereceu bancar as nossas passagens e desta forma coproduzir a nossa circulação em Uruguai”, afirma. “Na reunião (com o FIT) a gente falou que não seria bom estar como internacional porque não era a nossa realidade, aí o Cassio (Pinheiro, coordenador) nos esclareceu que seria dentro deste projeto especial chamado Intercena. A partir daí a gente entendeu que se justificava aparecer como coprodução internacional já que teríamos o apoio financeiro do FIT para levar a peça a Montevidéu”, explica Jimena.
 
O coordenador do FIT argumenta as inclusões com o fato de a contratação de Anita ter seguido trâmites internacionais, como a obtenção de visto de trabalho. Quanto a Jimena, diz que “o poder público tem que saber olhar para a sociedade”. “Se ela já faz uma produção de intercâmbio, por que não o poder público dar seu apoio e valorizar isso?”, indaga. Contudo, Pinheiro nega que o FIT, por meio da Fundação Municipal de Cultura, tenha feito um acordo prévio de apoio. “Qualquer ação institucional tem que estar sustentada em documentos. Vamos assinar com a intendência de Montevideo um protocolo de intenções, que vai gerar um convênio”, diz. “Não há predisposição, vão ser analisados o caso dela e de qualquer outro que se apresentar”, diz o coordenador.
 
 
  • COMPLICADORES
Marcelo Bones, diretor artístico da edição passada do FIT-BH, aponta seis desafios à internacionalização:

1. Falta de políticas públicas, com ações estratégicas e de articulação, como agências de fomento.

2. Por ser o único país a falar português na América Latina e, na Europa, haver apenas Portugal, a língua pode ser uma barreira.

3. A internacionalização fica em segundo plano diante das dificuldades de circulação no próprio (e extenso) território nacional).

4. É recente a aproximação dos festivais brasileiros com programadores de outros países.

5. Os realizadores de teatro não se dedicam a estratégias de internacionalização.

6. Falta focar em pequenos eventos, festivais, mostras e intercâmbios com artistas.

 

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