Patrimônio artístico

Por um restauro criterioso 

Especialista luta pela conservação da obra de arte concreta de Mary Vieira na praça Rio Branco, em Belo Horizonte

Seg, 29/06/15 - 03h00

“A humanidade não sabe o que é viver sem arte porque nunca viveu sem ela. O homem das cavernas já pintava e desenhava. O ser humano sempre respirou arte”. A declaração é da pesquisadora Malou von Muralt, que trava, há alguns anos, uma batalha pela valorização da obra “Monovolume: Liberdade em Equilíbrio”, da brasileira Mary Vieira (1920-2001). Instalada na praça Rio Branco, em frente à rodoviária de Belo Horizonte, a obra de arte concreta é o tema da palestra que será ministrada por von Muralt nesta quarta-feira, na Casa Fiat de Cultura.

A pesquisadora conta que a obra foi concluída em 1982, a pedido do então prefeito de Belo Horizonte, Maurício Campos (1979-1982). “O prefeito queria fazer algo em frente à rodoviária, pois antigamente toda a região da avenida Afonso Pena era arborizada, com duplo plantio de árvores, e naquele espaço havia somente um vazio”, explica Malou von Muralt. “Mary Vieira foi chamada para fazer a obra, e desenhou aquele quarto de círculo e o ergueu ali. Ela construiu um pequeno monte, onde tem hoje uma escada e uma rampa, para que a obra ficasse na mesma altura da Afonso Pena. A própria praça constitui a base da escultura”, explica. “Na base, Mary desenhou listras maravilhosas no chão, que vão para quatro direções, como uma espiral. A obra é a extensão de um cubo, no miolo da estrutura, que é o que a sustenta, o que dá o equilíbrio, enquanto os vãos vazios são extensões desse cubo”, completa.

Malou von Muralt lembra que a escultura era belíssima à época da inauguração. “É uma obra importantíssima, a maior de Mary Vieira. Tem 22 metros e é absolutamente espetacular. Havia uma iluminação por baixo, detalhes que foram destruídos ou roubados com o tempo”, sublinha. “Além de ser uma obra de resistência da arte concreta, ela representava o momento de abertura política que o Brasil vivia, daí o nome, ‘Liberdade em Equilíbrio’. Portanto, ela planejou uma praça seca, vazia, não uma praça-jardim, com coreto e árvores. A ideia era possibilitar reuniões, manifestações e comícios”, pontua a pesquisadora. “Mas as pessoas têm dificuldade em entender que o vazio também tem a sua beleza. E aí começaram as deturpações”.

A primeira surpresa veio com a arborização. “Mary Vieira tinha planejado 50 quaresmeiras em volta da praça, naquelas ilhas de concreto entre ela e o estacionamento da rodoviária. Essas árvores nunca foram plantadas. Pouco depois, quando o novo prefeito assumiu, disse que era preciso humanizar a praça, que faltavam sombras, um discurso totalmente demagógico. Aí furaram o concreto, destruindo os desenhos no chão, e plantaram 40 árvores de forma totalmente caótica”, relata. “Ao longo dos anos, vieram outras intervenções desrespeitosas, como a escada, a rampa, os canteiros de plantas, o banco circular. O que é estranho, já que aquela região é área protegida pelo patrimônio”, pontua. “Isso se juntou a um problema social do hipercentro, que concentra uma população de rua que habita aquele local. O resultado é que a estrutura está totalmente danificada”, diz.

Constatado o abandono da obra de Mary Vieira – que tem sido estudada por von Muralt há anos –, a pesquisadora começou a lutar por um restauro que respeite o projeto original. “O que queremos é um restauro criterioso. É preciso repensar a praça, a rodoviária, reorganizar esse espaço de uma maneira consciente”, explica, contando que se reuniu com o prefeito Marcio Lacerda em dezembro de 2014 para tratar do assunto. “O prefeito pareceu sensibilizado e disse que colocaria a preservação da obra nas premissas do projeto de reforma do prédio da rodoviária”, conta. “Temos que ter mais carinho com a obra de Mary Vieira. Da mesma forma que o conjunto da Pampulha é uma joia da arquitetura modernista, ‘Monovolume’ é uma joia da arte concreta. Que merece ser entendida e respeitada como tal”, conclui.

Agenda

O QUÊ. Palestra com Malou von Muralt sobre a obra de Mary Vieira 

QUANDO. Quarta-feira,às 19h30

ONDE. Casa Fiat de Cultura (praça da Liberdade, 10, 4ºandar, Funcionários)

QUANTO. Entrada gratuita. Espaço sujeito a lotação

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