Música

Renascimento de peso do Carahter

Banda mineira se inspira na tragédia de Mariana para o recém-lançado “Turvo”

Qua, 01/03/17 - 03h00
União. Quinteto superou desavenças pessoais na gravação de álbum, que desenvolve uma sonoridade própria dentro do heavy metal | Foto: Denilton Dias

Se para alguns fanáticos por heavy metal o estilo é quase uma religião, o recém-lançado disco “Turvo”, da banda mineira Carahter, não deixa de ser uma espécie de milagre. Afinal, há pouco mais de dois anos, o quinteto belo-horizontino anunciava o que seria seu último e derradeiro show. Fruto de uma cena que misturava punk rock, hardcore e metal há cerca de 15 anos e tinha como epicentro a casa de shows Matriz, o Carahter fez nome no underground nacional, chegando a excursionar pela Europa, mas vivia um prolongado hiato, estendido por uma série de desentendimentos entre seus integrantes. Por esse motivo, “Turvo” – grafado estilisticamente “TVRVØ” –, liberado no fim de fevereiro em plataformas de streaming como o Spotify, marca o ápice de uma longa e lenta evolução da banda, tanto nas relações entre seus membros, que voltaram a se entender, quanto em termos sonoros e musicais.

“Nós somos amigos há 20 anos, só que brigamos feio a ponto de romper a amizade. Foi difícil para todo mundo”, contou o vocalista Renato Rios Neto. O convite para a apresentação no festival Exhale the Sound, em 2014, no Espaço CentoeQuatro, foi o ponto de virada de uma trajetória que já se julgava encerrada até pelos próprios músicos. “Era para ser mesmo o último show; a banda, em termos práticos, já tinha acabado. Mas nos convenceram, falando que nós deveríamos celebrar nossa história”, relembrou Rios Neto. No processo de ensaiar e preparar-se para a despedida, o grupo – que também conta com os guitarristas Daniel Debarry e Rodrigo Gazzinelli, o baixista Rodrigo Grilo e o baterista Diogo Gazzinelli – conseguiu deixar as diferenças de lado e decidiu retomar as atividades.

O conceito de “Turvo” surgiu após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, na região Central de Minas. No mesmo dia da tragédia, o grupo fez uma de suas primeiras apresentações pós-retorno, impactado pelas primeiras imagens da onda de lama que provocou o maior desastre ambiental da história do país. “Foi uma catarse coletiva, uma sessão até ritualística. Estávamos todos, banda e público, marcados por aquelas cenas impressionantes”, afirmou Rios Neto. Quando o grupo entrou em estúdio, os veios de rejeito que rasgaram o Estado ainda assombravam. “O disco aborda nosso crescimento pessoal, mas também é sobre essa coisa industrial, de vibe pesada, que é a mineração, e é tão característica nossa, de Minas Gerais”, afirmou o cantor.

Crescimento sonoro. Como os integrantes do grupo nunca deixaram de militar na música, o crescimento sonoro é perceptível no disco. O baixista Rodrigo Grilo, por exemplo, é engenheiro de som no estúdio Minério de Ferro, do Jota Quest, onde a parte instrumental de “Turvo” foi gravada. Já o guitarrista Daniel Debarry toca em outras bandas, como o Oceania, antigo Udora – outra lenda do underground mineiro. “Eles evoluíram muito como músicos, já que nunca pararam, e, com isso, eu cresci também. Por isso, o processo de gravação foi muito mais orgânico, feito coletivamente. Estamos muito felizes com o resultado”, afirmou Rios Neto, cujos vocais agressivos estão entre os pontos altos do trabalho.

Com essa evolução musical, o Carahter se alinhou definitivamente a uma das raras subdivisões da música pesada em que ainda existe alguma inovação, o chamado post-metal – do qual o grupo californiano Neurosis é o principal representante. Ser a vanguarda do metal não é uma missão das mais simples, ainda mais em um Estado que já deu ao mundo bandas inovadoras no estilo, como Sepultura e Sarcófago. Mas com “Turvo” o Carahter não só encarou essa responsabilidade, como a executou com primor. Apesar de perceptível a influência de bandas como as já citadas Neurosis e Sepultura, e de outras como His Hero Is Gone, Pelican, Baroness e Cult of Luna, o grupo alcançou, nas nove faixas do álbum, o que muitos artistas almejam, mas poucos conseguem: definir um som marcante, próprio e único. É o trabalho que coloca o Carahter definitivamente na prateleira de cima da música pesada nacional e que promete abrir portas que nem sequer existiam quando o quinteto surgiu.

Com um disco de tamanha qualidade nas mãos, a expectativa da banda agora é excursionar. Para isso, haverá um show no próximo dia 11, que contará com a abertura dos cariocas Deaf Kids, no mesmo CentoeQuatro que deveria assistir ao fim do grupo. “Agora que vai ser o grande desafio. Todos nós envelhecemos, e ninguém vive da banda, temos profissões. Mas queremos pôr o pé na estrada”. Ansiosos por ver de perto a materialização de um milagre, os devotos da música pesada em todo o mundo já agradecem. 

 

<a data-cke-saved-href="http://burninglondonrecords.bandcamp.com/album/tvrvo" href="http://burninglondonrecords.bandcamp.com/album/tvrvo">TVRVO by CARAHTER</a>

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