Cinema

Retratos de grandes homens

'O Paciente: O Caso Tancredo Neves' e 'O Banquete” pintam quadros opostos de grandes nomes da política nacional

Qui, 13/09/18 - 03h00

Contar a história de grandes homens é um dos passatempos favoritos do cinema. E dois filmes brasileiros que estreiam nesta quinta-feira (13) exemplificam formas essencialmente opostas de se fazer isso. Enquanto “O Paciente: O Caso Tancredo Neves” é um endeusamento do mítico político mineiro como o “herói que nunca foi”, “O Banquete” é um retrato cáustico e debochado de um personagem inspirado em Otávio Frias Filho, recém-falecido diretor de redação da “Folha de S. Paulo”, como uma amostra do pior da elite social brasileira.

Inspirado no livro de Luís Mir, “O Paciente” acompanha os últimos 37 dias de vida de Tancredo (Othon Bastos), desde a internação às vésperas de sua posse como presidente até a morte em 21 de abril de 1985. O filme narra os sucessivos equívocos que levaram ao falecimento – do diagnóstico inicial de apendicite às brigas entre os cirurgiões –, num misto de jogo dos sete erros e thriller médico sobre um homem entre a vida e a morte. “É tanta gente tentando salvar o presidente que vão acabar matando o paciente”, afirma um personagem.

Isso faz com que o longa do diretor Sérgio Rezende (“Salve Geral”) se passe quase todo no hospital, com um visual sóbrio e pouco criativo e atuações melodramáticas que lembram um docudrama televisivo. Acima de tudo, porém, “O Paciente” é uma grande redenção do clã Neves. Das montagens paralelas entre o sofrimento da família no hospital e imagens reais das milhões de pessoas rezando nas ruas, passando pelos discursos inflamados de Tancredo que intercalam as discussões dos médicos sobre sua saúde, o político é retratado como um mártir quase beatífico resistindo à morte em nome do futuro da democracia brasileira, Risoleta (Esther Góes) é uma santa rezando ao seu lado, e Aécio (Lucas Drummond) é o neto devotado criticando as “leviandades” dos cirurgiões com um sotaque carioca.

“Não acho que seja uma redenção da família. Mas do Tancredo, sim, e também da Risoleta, que foi uma mulher admirável naquele evento todo”, afirma o diretor. Ele acrescenta: “Não fui eu que inventei 10 milhões de pessoas nas ruas nem o Aécio, que, como neto e secretário particular do avô, sempre esteve ali. Não vou apagar a história do Brasil”. Rezende conta que não pediu a autorização de ninguém – nem da família, nem dos médicos – para fazer seu filme e que não se preocupou quando a distribuidora decidiu lançá-lo às vésperas das eleições, porque não acha que ele possa ser usado politicamente por ninguém.

“Vai servir a quem? Ao Alckmin? PSDB? PT? Bolsonaro? Não é um longa partidário. Só mostra que o Tancredo uniu o Brasil em dois momentos: na esperança, do discurso das Diretas Já na Candelária; e no desespero de sua morte, ao ver um sonho ir por água abaixo. E acho que no país, hoje, faz uma tremenda falta alguém assim, que equilibre a sociedade e acabe com o radicalismo”, argumenta.

Longa evoca personagens e fatos reais

Já “O Banquete” gira em torno de um jantar, promovido por Nora (Drica Moraes), para celebrar os dez anos de casamento do jornalista Mauro (Rodrigo Bolzan) com a atriz Bia (Mariana Lima). Os dois são amigos de longa data dela e de seu marido, Plínio (Caco Ciocler), advogado do jornal de Mauro. E a lista de convidados inclui ainda o colunista gay Lucky (Gustavo Machado) e a crítica de teatro Maria (Fabiana Gugli), que foi amante de Mauro por anos – algo sabido por todos ali.

O filme se passa em tempo real durante o tal banquete – como uma peça de teatro filmada em closes – que acontece enquanto Mauro teme ser preso por ter publicado uma carta aberta atacando o então presidente Fernando Collor de Melo. E é esse importante detalhe que permite dar nome a, pelo menos, alguns dos bois ali, já que o incidente é inspirado na carta assinada por Otávio Frias Filho em 1992 – e a performance de Mariana Lima como Bia lembra bastante a atriz Beth Coelho, que namorou o jornalista. 

Esses paralelos acabaram sendo admitidos pela própria diretora Daniela Thomas (“Vazante”), quando ela tirou o filme da competição do Festival do Gramado – onde ele seria exibido no último dia 21 de agosto, em que Otávio Frias veio a falecer, aos 61 anos. “Minha apreciação dos méritos do Otávio como publisher, jornalista e dramaturgo nada tem a ver com 'O Banquete'. As tangências com sua vida são dispositivos de dramaturgia, para movimentar a trama, e não algum tipo de denúncia sobre seu caráter”, explica a cineasta.

Ainda assim, ela reconhece que seu falecimento às vésperas do lançamento deram ao filme uma “perturbadora relevância em relação à sua pessoa, que é inteiramente e tragicamente circunstancial”. Isso porque “O Banquete”, claramente inspirado no humor iconoclasta de Luis Buñuel, e especialmente em “O Anjo Exterminador”, retrata Mauro como um mulherengo e patético. E o resto dos convidados, desagradáveis, cínicos e arrogantes, ilustram a elite brasileira.

Mas ainda que admita que a ideia inicial do longa veio dos jantares que ela testemunhou na infância entre o pai, o cartunista Ziraldo, e seus amigos, Daniela afirma que “não é um filme sobre o Otávio. Nenhum personagem é baseado em ninguém em particular: são amálgamas de dezenas de pessoas, personagens lidos, personagens imaginados, recriados”. A decisão de retirar o longa de Gramado, segundo ela, foi feita “unicamente em respeito ao luto da família e dos amigos. Quis evitar a possível sobreposição de vida e ficção naquele momento tão inoportuno”. 

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