“Monólogo Público”

Sem espaço para a normatização

Michel Melamed fala sobre seu espetáculo e o momento político atual

Qui, 19/10/17 - 02h00

Uma conversa com Michel Melamed, 41, não se faz sem um fluxo intenso de ideias, provocações e algumas piadas. É desapegada de certa lógica, ao mesmo tempo em que é atravessada por pensamentos filosóficos, políticos e artísticos desenvolvidos pelo ator e apresentador, que conta não ter tido uma formação acadêmica. “Não terminei o curso de história. Mas sou leitor. Sou ‘assistidor’. E minha formação é continuada”, pontua.

O ritmo acelerado de reflexões, a crítica e as discordâncias, os devaneios e uma pluralidade de janelas de assuntos acabam por atravessar o diálogo, que tem como gancho seu novo espetáculo, “Monólogo Público”, em cartaz no Teatro Sesiminas, no sábado, às 20h, e, no domingo, às 19h.

Dando sua assinatura ao texto, à atuação e à direção, Melamed volta aos monólogos, dez anos após sua “Trilogia Brasileira”, composta pelos espetáculos “Regurgitofagia” (2004), “Dinheiro Grátis” (2006) e “Homemúsica” (2007). E é justamente desse formato que parte o primeiro ponto de dissenso, com base na negação do artista em relação a certa noção do senso comum: o preconceito do público contra os monólogos.

“A ideia de monólogo não é verdadeira. Só existe monólogo se você está sozinho, trancado em casa. No teatro, você dialoga não apenas com os elementos que estão em cena, mas, primordialmente, com o público”, comenta. “Vejo como um gênero valorizado pelo fato de ser talvez mais próximo de um depoimento pessoal, que expressa visões do artista sobre o mundo”, pontua.

Diante do Brasil de agora, de posicionamentos políticos polarizados, Melamed observa haver uma disputa não narrativa, mas de linguagem. E é em cima dessa observação que ele construiu “Monólogo Público’. “Vivemos muitas situações que deixaram claro que, para se entender a narrativa, é importante ter domínio da linguagem, para entender o que está sendo expresso”, afirma.

“Quando escrevi o texto, estávamos vivendo a votação da PEC dos gastos e, vendo noticiário, saí convencido de que ela era ótima. Mas tive que dar dois passos atrás para lembrar que tinha gente chamando ela de a ‘PEC da morte’. Mas quem me contou, o noticiário, me contou de uma forma só. Isso estava passando pela cabeça quando escrevi o texto. Enfim, isso tudo para dizer que acho que tão importante quanto a narrativa é pensar a maneira como ela se dá e em razão de quê”, observa.

Os exercícios de narrativa e linguagem o levaram à imagem de um palco em cima do palco, um aparato que ele leva para a cena. “Me perguntava o que mudava em um texto em que eu falava num espaço para ser visto e o mesmo texto no espaço pretensamente fora do palco, refletindo a ideia de público e privado. E se eu falasse em um ambiente público como se estivesse no privado, e vice-versa. Fui fazendo essas variações com a linguagem do teatro”, diz.

Nas discussões sobre o público e o privado, está a gênese do espetáculo que se constrói sobre uma reflexão sobre o patrimonialismo brasileiro e o histórico uso do público de maneira privada. “O presidente da República foi denunciado pela segunda vez e está aí. Isso é patrimonialismo. Ele age como se a Presidência fosse dele. O Aécio (Neves) também é outro caso que tem essa relação familiar. Ele vai ser cassado hoje?”, questionava o ator em entrevista realizada em 17 de outubro, data da votação do afastamento do senador.

Também a internet e as redes sociais entram em discussão, observadas por alguns como um grande simulacro e, para outros, como o espaço da expressão. “Não é possível nem interessante normatizar qualquer coisa. Há muitas leituras possíveis sobre as redes sociais, e as coisas são muito velozes. Alguns vão dizer que agora, pelo menos, vemos os fascistas. Acho que era melhor quando eles não saíam de casa. Os racistas, homofóbicos e misóginos tinham que se sentir constrangidos, mas agora eles estão na rua, e não era assim dez anos atrás. Destamparam uma caixa de Pandora. Claro que sou a favor de pluralidade, mas não se chegamos aos limites do ódio”, pontua.

Para falar desses lugares – o dentro e o fora – Melamed leva seu próprio universo privado para o palco, contando a história de sua vida. “Mas isso não é central”, frisa. “Estou curioso para ver a peça, porque muita coisa mudou depois das temporadas do início do ano. Há um momento extremista, fundamentalista na sociedade, que se acirrou muito. A guinada da extrema direita está mais clara com todos esses ataques à arte. Estou a fim de ver o país pela ótica do espetáculo nesse novo momento”, diz.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.