Políticas públicas

Sem verba para a cultura 

Secretário da pasta anuncia encerramento dos recursos para captação via Lei Estadual de Incentivo à Cultura

Qua, 25/03/15 - 03h00

A classe artística já esperava: a Lei Estadual de Incentivo à Cultura já atingiu seu teto de captação, estabelecido em R$ 84 milhões ainda no primeiro trimestre de 2015. O valor corresponde a 0,3% do recolhimento do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços), teto da alíquota previsto na lei.

O secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, e seu secretário adjunto, Bernardo Mata Machado, anunciaram que, até a última segunda-feira, R$ 82,5 milhões dos R$ 84 milhões disponibilizados para captação já estavam comprometidos. O anúncio foi feito durante encontro organizado pelo Fórum Permanente de Cultura, iniciativa criada no início deste ano, a partir de várias reuniões realizadas durante o período eleitoral de 2014. O encontro aconteceu no Museu Inimá de Paula, que teve seu auditório com capacidade para 400 pessoas lotado por artistas, produtores e gestores culturais.

Segundo dados apresentados pelo secretário adjunto, restavam, portanto, apenas R$ 1,5 milhão dos recursos, sendo que as chamadas Declarações de Incentivos (DIs) – ou seja, projetos que receberam o aval de patrocínio das empresas – a serem homologadas já somavam R$ 3 milhões.

A notícia era aguardada pela classe artística por ser resultado de uma bola de neve que vinha se configurando nos últimos anos. Em 2013, os recursos se esgotaram no mês de outubro e, no ano passado, em junho. Com isso, os projetos aprovados em anos anteriores que não conseguiram captação por falta de recursos disponíveis na lei seguiram na busca pelo patrocínio no edital seguinte.

Em 2015, do teto disponibilizado pela LEIC, R$ 63 milhões foram destinados a projetos aprovados pelo edital anterior, segundo o secretário adjunto.

Francesca Azzi, idealizadora do Indie Festival, projeto realizado há 15 anos e que conta com 80% do seu orçamento com recursos vindos da lei estadual, estranha a falta de um comunicado oficial por parte da secretaria sobre o encerramento dos recursos para captação pela lei.

“Essa é uma notícia tão impactante que é um absurdo a gente tomar conhecimento dela por meio de um link de transmissão de um encontro na internet”, comenta a gestora, que estava fora do Estado durante a realização do encontro.

Mata Machado aponta duas causas para a aceleração do encerramento dos recursos: a aprovação indiscriminada de projetos, tomando por critérios a documentação exigida e não o mérito da proposta, assim como a redução das alíquotas de contrapartidas praticadas pelas empresas patrocinadoras por meio de recursos próprios. A alíquota de 20% foi reduzida para 1%, 3% ou 5% de acordo com o porte da empresa. A mudança ocorreu em 2013 e apresentava como justificativa facilitar a captação de recursos junto ao capital privado.

O edital da Lei de Incentivo, lançado em 2014, aprovou 1.447 projetos que estariam aptos a captar recursos num total de R$ 384 milhões, quantia que corresponde a mais de quatro vezes o valor disponibilizado pela LEIC.

O secretário Angelo Oswaldo lembrou que o esgotamento dos recursos atinge também entidades ligadas ao governo estadual, como a Fundação Clóvis Salgado, já que a LEIC prevê que 25% do montante pode ser captado por esse tipo de instituição.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Kerison Lopes, que estava presente à mesa, diz ser vergonhoso que essas entidades possam competir no mercado com artistas e produtores culturais.

Laura Lopes, cantora e realizadora do projeto Minas Música Mundo, aprovou R$ 300 mil na Lei Estadual e não captou. “Os recursos ficam concentrados nas grandes empresas de captação. As iniciativas mais independentes acabam sofrendo e ficando de fora”.

Ela diz que vai recorrer à Lei Rouanet para conseguir realizar o projeto, que prevê uma festival e uma rodada de negócios entre artistas e gestores nacionais e internacionais.

Diante do cenário, a conclusão apresentada pelos secretários também já era esperada: a Lei de Estadual de Incentivo precisa de revisão e reformulação, assim como o Fundo Estadual de Cultura. Mata Machado pontuou que a média de recursos provenientes do Fundo giravam em torno de R$ 3 milhões anuais, e que 2015 tem por volta de R$ 470 mil.

Uma das soluções apontada – e aplaudida – seria a ampliação do Fundo com recursos orçamentários. Mas os secretários não apresentaram nenhuma proposta de como fazer isso.

“Ainda estamos em fase de estudo, não temos uma resolução pronta para apresentar. Estamos diante de alguns impasses e estamos estudando soluções que vão se definir como viáveis frente à dívida que não só a cultura, mas todo o Estado enfrenta, que é uma dívida orçamentária de R$ 6 bilhões para o exercício deste ano”, diz Angelo Oswaldo.

Para o gestor cultural, Leonardo Beltrão, ainda não há propostas claras por parte da secretaria. “A revisão da lei já era algo falado inclusive pela gestão anterior. Existem reflexões importantes, mas, a meu ver, a secretaria devia fazer um estudo mais aprofundado e levantar proposições antes de romper com algumas iniciativas, como o Ballet Jovem, por exemplo”, diz o gestor referindo ao fim do projeto mantido pela Fundação Clóvis Salgado por meio de lei de incentivo.

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