Perfil

Serenidade transformadora 

Renomado produtor musical, Chico Neves encontrou tranquilidade e uma cena aquecida em sua volta a Minas Gerais

Qua, 10/02/16 - 03h00
Tranquilidade. Talentoso produtor musical buscou qualidade de vida nas montanhas de Minas Gerais, onde instalou seu Estúdio 304 | Foto: MOISES SILVA

A fala mansa e o olhar sereno de Chico Neves denunciam seu temperamento calmo e pacato. A busca por localidades bucólicas para viver e trabalhar é outro indício da tranquilidade do mineiro, de 55 anos, que é um dos grandes nomes da produção musical brasileira. É que, há três anos, Chico Neves deixou o Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, para voltar a Minas Gerais. Instalou seu estúdio, o 304, na cidade de Nova Lima, vizinha da capital mineira, onde ele nasceu, e recentemente mudou-se para Macacos, também próxima de Belo Horizonte. Nas montanhas das Gerais, além de melhorar sua qualidade de vida, deparou-se com uma aquecida cena musical contemporânea – e deu sequência ao toque de ouro que marca os discos que produz.

Nascido em 1960, Chico Neves mudou-se para a Cidade Maravilhosa aos 18 anos, para trabalhar com música. “Em 1979 fui estagiar na gravadora EMI-Odeon, no Rio de Janeiro. Foi lá onde tudo começou”, recorda o produtor. Seu primeiro trabalho em produção foi um álbum de Lucinha Turnbull, gravado em 1979, que lhe rendeu um cargo de assistente do ex-Mutante, baixista e produtor Liminha, na Warner Music. “Trabalhei com o Liminha na Warner de 1980 até 1986. Depois, resolvi não estar mais tão envolvido diretamente com a indústria fonográfica e desde então me tornei independente, criei meu estúdio”, conta Chico Neves, que também ajudou Liminha a montar o seu estúdio, Nas Nuvens. Com ele, gravou artistas como Roberto Guima, Jorge Mautner e Bebel Gilberto.

Já no Jardim Botânico, começou a formatar seu estúdio caseiro. O número do apartamento, 304, acompanharia seus demais projetos futuros – mas sem misticismo. “Simplesmente, era o número do apartamento onde fiz meu segundo estúdio. O primeiro foi no 302, no mesmo andar”, diverte-se o produtor musical.

Com o passar dos anos, o Estúdio 304 foi ganhando notoriedade e Chico Neves veio a gravar discos que se tornariam pérolas da música brasileira. Alguns exemplos são “EletroBemDodo” (1999), de Lucas Santtana; “O Dia em que Faremos Contato” (1993), de Lenine; “Lado B Lado A” (1999), d’O Rappa; “Hey NaNa” (1998), dos Paralamas do Sucesso; “O Bloco do Eu Sozinho” (2001), dos Los Hermanos; “Saiba” (2004), de Arnaldo Antunes; e “Maquinarama” (2000), dos também mineiros do Skank. “Foram muitos e todos são muito importantes para mim”, sublinha.

Buscando uma vida mais sossegada para o filho pequeno, que sofre com problemas de imunidade, Chico Neves decidiu, em 2013, voltar para Minas Gerais. “Vim passar um tempo, gostei e decidi ficar. A qualidade de vida melhorou bastante”, afirma o produtor, que agora está fascinado por Macacos. “O Estudio 304 agora está sediado em Macacos, na minha nova casa, e os planos são os melhores possíveis. Quero produzir muita coisa boa por aqui e, também, trazer projetos de fora”. Quando pergunto se o bucolismo do interior mineiro, somado ao temperamento tranquilo, favorece o processo de produção, Chico Neves é taxativo: “Com certeza. Sem dúvidas”.

Em Minas, o produtor também se deparou com uma nova e aquecida cena autoral. “É um cenário muito rico. Produzi o Falcatrua e mixei dois projetos produzidos pelo Anderson Guerra, Paralaxe e Somba. São muitas bandas boas, mas destaco as duas últimas que produzi, Todos os Caetanos do Mundo e o Graveola e o Lixo Polifônico”, afirma Neves, que não se apoia em grandes equipamentos e parafernálias técnicas para suas gravações. “Atualmente estou finalizando o Graveola e o solo da Luiza Brina”, lembrando que recentemente fez o novo disco do carioca Pedro Carneiro, “Vovô Bebê”, que sai em março.

Outro projeto recente também consumiu tempo e energia de Chico Neves: o primeiro disco de Moraes Moreira e Davi Moraes, “Nossa Parceria”, lançado no ano passado. “Na realidade, inicialmente era um projeto do Davi, que eu estava produzindo. Depois, surgiu a ideia de fazer um disco em parceria com o Moraes”, conta, sobre o projeto que era vontade antiga, tanto do pai quanto do filho. “Selecionamos algumas músicas do Davi que eu já havia finalizado e gravamos outras do Moraes, daí surgiu o disco. Cada um participa das musicas do outro”, completa.

Em entrevista o Magazine , Moraes Moreira disse que o disco ganhou um quê de “mineirice” nas mãos do produtor. “Meu pai adorou o Chico, os santos bateram na hora. Foi um disco que fizemos com muita liberdade”, completou Davi Moraes. 

Mas foi a primeira vez que Chico Neves gravou discos “em família”? “Não, trabalhei, também, no primeiro disco do Moreno Veloso, que teve a participação do pai, Caetano. Aliás, é um disco lindo!”, relembra. “Gravei, ainda, Gilberto Gil com a participação dos filhos Nara e Pedro Gil”, completa o produtor, para quem uma das principais influências é o coordenador de projetos fonográficos sírio André Midani. “É minha grande referência na área musical. Somos grandes amigos, aprendi muito com ele”, afirma. Termino o papo perguntando quem mais inspira Chico Neves. “Márcia, minha mulher, e meus filhos Camila, Sílvia e Theo”, crava o produtor.

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