Cinema

Sérgio Ricardo retorna ao longa-metragem com 'Bandeira de Retalhos'

Veterano volta mais de 40 anos depois, ainda fiel ao Cinema Novo

Ter, 23/01/18 - 02h00
Regresso. “Bandeira de Retalhos” marca o retorno de Sérgio Ricardo na direção de longas | Foto: Universo Produção / Divulgação

A 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes tirou a noite do último domingo e a manhã dessa segunda-feira para fazer reverência a um veterano. Mais de 40 anos depois de seu último longa, “A Noite do Espantalho”, o músico, ator e cineasta Sérgio Ricardo lançou seu novo filme, “Bandeira de Retalhos”, no Cine-Tenda e, de quebra, ainda fez um show, acompanhado do filho no violão e da filha nos vocais.

Acompanhando o trio familiar, o telão atrás deles exibia trechos das produções para as quais as músicas serviram de trilha. E são a esses mesmos filmes, dos anos 60 e 70, que “Bandeira” se filia. O projeto – uma ficção sobre a história real de uma tentativa de desocupação do morro do Vidigal, no Rio, em 1977 – foi um roteiro que Sérgio Ricardo escreveu na década de 70, mas nunca conseguiu financiar. Muito tempo depois, o grupo Nós do Morro transformou o texto numa peça, que ficou em cartaz por dois anos.

E com ajuda do produtor e distribuidor Cavi Borges, o cineasta usou boa parte da equipe e do elenco do espetáculo para transformá-lo num filme – que, nos “chicotes” de câmera, no uso da favela como locação e no caráter politizado, tenta emular o Cinema Novo de produções como “Cinco Vezes Favela”. “Eu sempre fui fiel às orientações estéticas que absorvi durante a vida. Não consigo ver na modernidade algum paralelo que me atraia a sair daquela trilha de realização. Prefiro ficar com meus amigos do Cinema Novo e fazer um filme mais direto”, afirmou Sérgio Ricardo, do alto de seus 85 anos, em um debate.

Segundo Borges, o cineasta costumava repetir no set: “Isso aqui é Cinema Novo, não é Netflix”. Para reproduzir essa fidelidade, porém, o veterano da bossa nova e do Cinema Novo precisou de mais do que uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Inicialmente orçado em R$ 3 milhões, “Bandeira” foi realizado com cerca de R$ 100 mil, financiado pelo Canal Brasil e por uma campanha de crowdfunding – que contou, entre seus colaboradores, com amigos de Sérgio Ricardo, como Chico Buarque. A produção só foi possível graças à comunidade do Vidigal e ao que o diretor chama de “cinema-mutirão”.

Os próprios atores ajudaram a construir os cenários, e eram necessários intervalos de uma semana para desmontar um set e usar a mesma madeira para construir o próximo. “A gente construiu uma outra favela de madeira ali dentro, porque queria mostrar o Vidigal dos anos 70”, explica Borges.

Segundo Sérgio Ricardo, se não fosse a verba do Canal Brasil, ninguém teria comido no set. Todo esse esforço de guerrilha acabou se tornando o grande foco do debate, que deixou as fragilidades narrativas do longa em segundo plano.

“Bandeira” sofre com uma dramaturgia frouxa, especialmente um triângulo amoroso mal desenvolvido que desperdiça o bom trabalho da jovem Kizi Vaz como a protagonista Tiana – além de talentos como Osmar Prado, Antônio Pitanga, Bemvindo Sequeira e o homenageado desta edição de Tiradentes, Babu Santana. E a tentativa de reproduzir a estética cinemanovista com recursos digitais deixa a produção com um aspecto datado.

Mesmo com a precariedade técnica, o bom trabalho de Ricardo na trilha – como era de se esperar – foi ressaltado. “A música é algo muito latente na minha vida porque faço isso desde os 8 anos. Tenho que me policiar quando faço cinema para não transformar tudo num musical”, reconheceu o diretor. Ainda assim, ele ecoa a máxima kubrickiana de que cinema é música. “A música tem na sua relação estética melodia, harmonia e ritmo, e isso você precisa em todas as artes”, pontifica.

Para além de questões técnicas, a satisfação maior do diretor em realizar um longa depois de tanto tempo se manifesta no forte discurso cinemanovista que ele ainda defende hoje. “Minha felicidade em fazer esse filme é não só revelar o marco histórico de uma vitória do povo brasileiro, mas também instigar esse povo a ir para as ruas e mudar essa realidade. O que estamos vivendo é inacreditável, e temos que apagar essa ideia de que as pessoas vão ficar paradas”, propõe.

O repórter viajou a convite da mostra

Filmografia

“Menino da Calça Branca (1962, curta); Esse Mundo É Meu” (1964); “O Pássaro da Aldeia” (1965); “Juliana do Amor Perdido” (1970); “A Noite do Espantalho” (1974); “Bandeira de Retalhos” (2017)

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