Teatro

Terças-feiras de leitura 

Em seu terceiro ano, o Janela de Dramaturgia prepara publicação de autores das duas primeiras edições do projeto

Dom, 13/07/14 - 03h00

[NORMAL_A]São 23h30 de uma terça-feira, as últimas pessoas seguem seu caminho, as luzes são apagadas e a porta metálica é fechada. Os remanescentes trocam abraços, se cumprimentam. Mais uma etapa, mais uma noite de “Janela de Dramaturgia” concluída.

O teatro Espanca! – espaço que abriga o projeto desde seu nascimento – havia recebido, desde as 8h da noite, uma grande quantidade de pessoas interessadas no projeto, nos textos que seriam lidos e até alguns aventureiros solitários, caso de uma senhora que revelou ter um texto escrito guardado e que gostaria de apresentá-lo em outra oportunidade, uma vez que via entre ela e a “molecada” muitas coisas em comum. Essa é outra característica do público do projeto e também da maioria de seus autores: uma predominância de jovens. Talvez seja uma maneira para se pensar em uma nova dramaturgia, feita por novos autores. Na idade, inclusive. “Nós somos os veteranos aqui”, brinca Chico Pelúcio, integrante do grupo Galpão, que participaria de uma das leituras da noite.

O Janela se transformou em espaço de pensamento, proposição e debate da dramaturgia e (por que não?) do teatro produzido na cidade e no país. O público é formado por “iniciados”, gente de teatro basicamente: atores, diretores, potenciais dramaturgos e outros que já apresentaram seus textos em outras noites do projeto que chega a sua terceira edição. Este ano, o Janela teve início com um fim de semana de leituras e rodas de discussão, no espaço CentoeQuatro. Desde maio, nas primeiras terças do mês, dois textos inéditos não-encenados são lidos no Espanca!.

Mas o que faz com que ele atraia tanta gente? “Creio que seja a ideia do inacabado que faz com que as pessoas venham até aqui. Essa sensação da coisa em potencial”, arrisca Cida Falabella – atriz, diretora e integrante do grupo ZAP 18 –, convidada da última edição a mediar o debate, que sempre acontece ao final, entre autores, atores/leitores do texto e público.

Leituras. Naquela noite, dois textos foram lidos “IN Detalhes”, de Júlio Vianna, e “Três Tigres Tristes”, de Vinícius Souza, um dos idealizadores, ao lado de Sara Pinheiro, do Janela e integrante da Companhia do Chá. O espaço não é grande o bastante, alguns emborrachados são espalhados. Com paciência, porém, todo mundo se acomoda e a leitura do primeiro texto pode começar.

“Vejam vocês, nós estamos aqui discutindo dramaturgia às 11h da noite de uma terça-feira! Se fosse uma peça de teatro, não estaria tão cheio”, exclama Marcelo Castro, integrante do grupo Espanca!, que participa da leitura do texto de Souza.

“IN Detalhes” se centra em quatro personagens comuns, que de maneira direta ou indireta, influenciam a vida um do outro. O jovem bon vivant beberrão, sua amiga veterinária, uma funcionária dos correios e um sujeito com quadro depressivo. Com diálogos bem-humorados, boas sacadas e sobreposição de narrativas, o texto guarda um desfecho surpreendente.

Pausa. Entre cigarros e cervejas, as pessoas fazem um intervalo na calçada da rua Aarão Reis. Aliás, quem quiser, pode continuar a tomar sua bebida durante as leituras.

Começa a leitura de “Três Tigres Tristes”. Trata-se de um texto arrojado, cheio de efeitos de metalinguagem e conta a história de três (ou quatro) artistas e amigos que querem montar um bar com o intuito de melhorar sua situação financeira e seguir fazendo teatro. Os desentendimentos entre eles trazem à tona marcas de várias gerações que vivem (ou sobrevivem?) de teatro na cidade. Por vezes, o bar e o fazer teatro se fundem na mesma coisa, pelas mesmas dificuldades, os mesmos receios e os atritos entre os personagens.

O texto de Souza foi escrito para ser uma leitura dramática, dispensando, a princípio, a ideia de que ele deveria ou deverá ser montado. Um dos personagens, Dodô, é responsável por ler as rubricas (aquelas indicações que o autor faz num texto teatral) e faz com que o jogo leitura/personagens vá se clareando ao longo do texto.

“É curioso notar que o texto já aconteceu. Pode ser que, depois daqui, os textos não ‘virem mais nada’ e seus autores queiram escrever outra coisa. A leitura dramática é uma forma de dar conta da urgência de se dizer algumas coisas, que podem ficar diluídas em um processo de criação, de ensaios, que dura meses”, comenta Cida Falabella, no debate pós-leitura.

“Get Out!”, “Isso é Para Dor”, “Fábrica de Nuvens” e “Anã Marrom” são espetáculos vindos das leituras dramáticas. Se os novos textos virarão espetáculos ou não, somente o tempo deverá dizer, mas o projeto segue abrindo horizontes para novos textos, novos autores, promovendo a dramaturgia produzida em Belo Horizonte.

PUBLICAÇÕES. Uma das formas de transformar o teatro em algo que resista ao tempo são as publicações de textos de dramaturgia. Além de registro de uma época, eles resguardam sua memória. No Brasil, notoriamente há uma defasagem de publicações de novos autores. Somente os considerados clássicos costumam ganhar edições. As publicações partem, portanto, dos autores ou coletivos que desejem fazer esse registro. Vencedor do projeto Rumos do Itaú Cultural, o “Janela de Dramaturgia” publicará os textos dos autores participantes das duas primeiras edições (2012 e 2013). São 19 textos, de 19 autores.

“É um bom sinal! Esse é um dos desdobramentos de nosso projeto. Creio que seja um destino natural para os textos, que terão um alcance ainda maior com a publicação”, reflete Souza.

Na Internet

No blog do projeto é possível saber das próximas leituras (ainda faltam duas) e acompanhar críticas escritas por convidados. http://janeladedramaturgia.wordpress.com/

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