“Bruxa de Blair”

Tocando o terror como se fosse 1999 

Sequência do original, longa se passa 15 anos depois do fenômeno noventista

Qui, 15/09/16 - 03h00

Ah, 1999. Videolocadoras. Disk-Amizade. Uma madrugada inteira para baixar uma música no Napster. O Brasil ainda era um Estado Democrático de Direito. Eram tempos mais simples, em que não era possível acessar o Google no seu celular a qualquer momento e descobrir a balela do papo de que um filme sobre jovens perdidos na floresta em busca de uma bruxa era real.

Essa inocência perdida, o último suspiro do romantismo da vida analógica, é parte do que fez “A Bruxa de Blair” ser um fenômeno na época – talvez o primeiro viral. Mas a outra parte é que o filme funcionava: as atuações convenciam, e os personagens tinham arcos sólidos que te faziam questionar quem você seria naquela situação. O terror vinha mais dessa série de eventos infelizes do que do fato de que os realizadores usavam a precariedade da captação para extrair o medo da elipse, do que nunca era mostrado.

Dezessete anos depois, os produtores de “Bruxa de Blair”, que estreia hoje, têm que lidar com o fato de que o mundo mudou. Muito. A linguagem do “found footage” estabelecida pelo original foi diluída em uma centena de produções de terror nos últimos tempos. E o ato de gravar momentos se tornou uma banalidade cotidiana.

É por isso que, quando James (James Allen McCune) retorna à mesma floresta (eles nunca aprendem) em busca de sua irmã Heather, protagonista do longa original, com a ajuda da amiga documentarista Lisa (Callie Hernandez), eles não levam apenas uma filmadora. Junto com os amigos Peter (Brandon Scott) e Ashley (Corbin Reid), cada um vai armado com celulares, câmeras auriculares com GPS e rola até um drone.

E o casal Lane (Wes Robinson) e Talia (Valorie Curry), que encontraram a fita original de Heather e servem de guia para a trupe, leva ainda outra câmera. Se isso significa que a qualidade das imagens e a decupagem das cenas é bem melhor, quer dizer também que o diretor Adam Wingard (“V/H/S”) tem que encarar o cinismo do público atual.

Ninguém mais acredita que aquilo na tela é real – ele não pode extrair o medo daquela projeção espontânea do espectador de 1999. E o fato de que as atuações são bem menos naturais, e os personagens pouco interessantes, não ajuda. O roteiro de Simon Barrett flerta com uma tensão entre Peter e Ashley, negros, e Lane e Talia, que possuem uma bandeira confederada (pró-escravidão) em sua sala, mas nunca tem coragem de lidar com isso de frente.

Nem coragem, nem tempo. Porque, depois de um início até promissor, “Bruxa de Blair” vira um festival de gritos e correria sem pé nem cabeça. A solução de Wingard para vencer o cinismo do público é escancarar na tela tudo que o original apenas sugeria.

Em determinado momento, a floresta do longa se torna a ilha de “Lost”, com poderes fantásticos que permitem ao cineasta elevar os obstáculos naturais do filme de 1999 à enésima potência. O que, aparentemente, inclui saltos de lógica, como uma personagem com pé cortado e em choque séptico escalar uma árvore.

O problema é que, mesmo que você compre os absurdos, eles não são bem executados. Wingard abusa dos piores excessos do “found footage” no ato final, com a repetitiva correria ao som do fôlego dos personagens, fade to blacks toda vez que ele não sabe como resolver uma cena e os irritantes movimentos nauseantes de câmera e cortes rápidos que não dizem, nem mostram, nada. Os únicos sustos vêm do (inexplicável) hábito dos personagens de chegar inesperadamente atrás dos outros gritando. No fim das contas, a bruxa do título e sua floresta conseguem operar muitos milagres no longa, menos o de fazer ser 1999 de novo, quando ainda existia temor no cinema, e tudo era possível no coração de quem acreditava.

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