Lançamento

Travesti doutoranda e prostituta narra sua vida 

Em relato cheio de angústias, Amara Moira fala sobre sua experiência de se assumir mulher

Sáb, 23/07/16 - 03h00
Mudança. Na obra, Amara Moira fala também sobre o olhar do outro e como lida com a experiência | Foto: Facebook / reprodução

São Paulo. Os peitinhos começaram a despontar na véspera da Parada do Orgulho LGBT de 2014. A primeira injeção de Perlutan, composto de hormônios femininos, já estava fazendo efeito. Agora que aquilo estava no corpo, não tinha mais como mudar de ideia.

“Fui à loja Marisa aqui de Campinas, fiz um crediário e renovei meu guarda-roupa”, lembra. Comprou saias e blusinhas. A partir daquele momento, abandonou por completo os trajes masculinos que vestiram seu corpo por 29 anos: Amara Moira, nome que havia adotado para si, ganhava, enfim, a figura de mulher.

Doutoranda em crítica literária pela Unicamp – onde estuda “o intraduzível em ‘Ulysses’, de James Joyce”, explica – e prostituta em Campinas (SP), Amara lança “E Se Eu Fosse Puta”, um relato autobiográfico da sua transição de gênero e de experiências como profissional do sexo.

Boa parte do relato é composto de angústias – como quando é desprezada nas ruas e percebe sorrisinhos de escárnio dos outros. “Antes (de assumir a Amara), eu não chamava atenção na rua. E de repente, quando você se coloca como mulher e, mais especificamente, como travesti, todos os olhos se voltam a você para tentar te entender”, afirma Amara.

“E há todo tipo de olhar: mais hostil, mais curioso... Esse olhar constante é um lembrete de que você é considerada uma aberração.”

Ela própria levou um tempo para se ver como mulher. Lembra que, quando veio à São Paulo para a Parada, uma drag queen a maquiou e deu sugestões de roupas. “Somente aí que consegui me enxergar no feminino”, diz.

Da viagem à capital paulista em 2014, voltou como mulher feita. Fez questão de tomar o ônibus com roupas femininas – queria que sua família, quando a buscasse na rodoviária de Campinas, a visse como ela realmente era.

“Minha mãe estava com minha avó, que completava 92 anos naquele dia”, lembra. “Quando entrei no carro, minha mãe falou: ‘Esse é o presente que você quer dar a ela?’. Respondi: ‘Quer presente melhor que ganhar uma neta?’”, conta, aos risos.

Em meio a angústias, o livro revela alguns prazeres. Entre eles, se sentir bonita quando visitava as amigas prostitutas, único momento em que “os homens me abordavam publicamente”. Algum tempo depois, assumiu o ofício – não por necessidade financeira, mas pela solidão.

Trecho de “E Se Eu Fosse Puta”

"Medo de quê? De tudo. Mas sobretudo de ter que do nada me prostituir, ter que ir da noite pro dia buscar cada centavo do meu sustento na prostituição. E não eram os corpos sem nome, vários, variados, via de regra fora do padrão, em diversos graus de higiene e saúde, o que me assustava. Com esses me dou bem, e até prefiro, anônimos, fora do padrão (como eu própria me sentia sempre, ainda mais agora). Sexo nunca foi foda (...). Meu medo era, antes, a violência da exclusão, me ver pária da noite pro dia, tratada feito lixo, perder família, amigos, círculo social, não ter um teto pra chamar de meu, o direito de continuar estudando, de poder buscar emprego que não fosse esse que não consideram emprego: puta."

O livro começa a ser vendido em 2 de agosto.

E SE EU FOSSE PUTA”
Amara Moira, Hoo, 216 páginas, R$ 34,90 

 

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