Cinema

Um brinde aos que sonham 

Grande favorito ao Oscar de melhor filme, “La La Land: Cantando Estações” é romântico em todos os sentidos

Ter, 17/01/17 - 02h00
Abertura. Filme começa com número musical em plano-sequência na autoestrada | Foto: PARIS FILMES / Divulgação

Há uma cena logo no início de “La La Land: Cantando Estações”, que estreia nesta quinta, mas já em pré-estreia na cidade, em que o pianista Sebastian (Ryan Gosling) e a barista aspirante a atriz Mia (Emma Stone) estão descendo uma colina de Hollywood após uma festa. Os dois estão fazendo aquele flerte “eu te odeio, mas eu te amo”, típico das comédias românticas. E iniciam uma música sobre como não existe nenhuma química entre eles – engraçadinha, porque a química entre Emma e Gosling poderia encher dez tabelas periódicas. E então, eles começam a sapatear.

Os dois são lindos. Os figurinos são perfeitos. A iluminação é cinematográfica. A coreografia é irresistível. E, nesse momento, você decide: ou revira os olhos e recusa a artificialidade da cena toda, ou se rende e se apaixona perdidamente pelo musical do diretor Damien Chazelle (“Whiplash”).

Porque “La La Land” é, essencialmente, um filme sobre paixão. Sobre duas pessoas apaixonadas por sua arte. Que se apaixonam uma pela outra. E sobre um diretor apaixonado por cinema, tentando criar na tela algo que desperte no público essa mesma paixão.

E, por isso, não é um longa para cínicos. Pelo contrário: é um filme romântico – em todos os sentidos possíveis da palavra – para pessoas românticas ou que, ao menos, concordem em deixar toda a suspensão de descrença na porta de entrada. Que topem deixar a crise do lado de fora, esquecer que o mundo está acabando, que tudo está indo para o beleléu. E aceitem, simplesmente, sonhar por duas horas.

Porque o cinema é isto: um sonho. Uma mentira que contamos para tornar a vida suportável. Como a montagem final do longa deixa claro, ele é uma quimera: uma versão mais bonita e idealizada da realidade, o que poderia ser se fôssemos todos lindos, sortudos e talentosos.

Agora, você pode criar caso exatamente com isso. Com o fato de que o filme é a história de dois jovens brancos e bonitos – Mia e Sebastian – em busca do sucesso na terra das pessoas jovens, brancas e bonitas. Que, assim como a maioria dos musicais, ele não tem muitas camadas – e as que tem estão explícitas nas canções. Que ele traz um protagonista (muito) branco pregando sobre a pureza do jazz – ritmo criado por negros. E que tem uma grande barriga no segundo ato, em que o romance do casal se torna muita dança e pouca história.

Ou você pode fechar esses olhos e ver “La La Land” com o coração. Chazelle tenta te ajudar a entrar nesse universo do sonho. A Los Angeles do filme tem latas de lixo roxas, pessoas que vestem roupas coordenadamente coloridas, como num comercial Technicolor da Benetton, e Mia trabalha no estúdio da Warner, “ao lado da janela de ‘Casablanca’” – ou seja: tudo a seu redor é um filme.

O cineasta está o tempo todo lembrando o espectador de que tudo na tela é uma grande mentira. Seu filme não é baseado na vida, e sim no cinema – um conjunto de referências e inspirações nada originais, mas muito bem executadas(veja no infográfico), da metalinguagem de “Cantando na Chuva” à melancolia colorida de “Os Guarda-Chuvas do Amor”. E seus personagens não pertencem à realidade, o que ele deixa bem claro quando Mia e Sebastian começam a dançar no planetário de LA e são transportados, literalmente, para as estrelas


Porque o objetivo do encontro do casal é simbolizar a alquimia explosiva e inexplicável necessária para se produzir a grande arte. Sebastian explica a Mia a importância da autoria, da subjetividade, de não reproduzir os clichês baratos dos testes de atriz. Ela mostra a ele o poder da insistência, da paixão pelo sonho.

Nada mais natural, aliás, que, ao falar sobre arte, um diretor norte-americano use as duas únicas linguagens artísticas originalmente norte-americanas: o musical e o jazz. E é por sintetizar isso tudo – todo sangue, suor, lágrimas e loucura necessários para se criar um plano-sequência musical com trocentos figurantes numa autoestrada em Los Angeles, como a incrível “Another Day of Sun” que abre o filme – em “Auditions (The Fools Who Dream)”, no clímax do longa, que Emma Stone vai ganhar o Oscar em fevereiro.

A performance da atriz no número é o que se apelida de “show-stopper” na Broadway, ainda que ela – e Gosling – não sejam grandes cantores. Os dois são mais fundamentais no alicerçamento humano de dois protagonistas tão arquetípicos – não por acaso, a melhor cena da dupla é aquela famosa briga de casal que começa por um detalhe e se torna tão grande que ninguém sabe como chegou ali.

Porque mesmo os melhores sonhos são minimamente calcados na realidade. A grande questão, no entanto, sobre a efetividade dessa proposta é: numa realidade tão horrível e cínica, ainda nos permitimos sonhar?