Criolo

Um profeta além do rap 

Artista, que quase abandonou a carreira, mostra “Convoque Seu Buda”, neste sábado (22), no parque das Mangabeiras

Sáb, 22/11/14 - 03h00

Não importa se ele discursa sobre as vielas da favela, amores em metrópoles, padrões sociais ou o preço do pão. Cada frase que sai da boca de Criolo vem acompanhada de alguma revelação subjetiva para as convenções do homo sapiens, uma inquietação complexa tentando decifrar as tretas de viver, não satisfeito apenas com a condição de existir. Se fosse só pelas próprias filosofias nem sempre inteligíveis para a massa que o ouve, Criolo admite que não subiria ao palco do parque das Mangabeiras, hoje à noite, para cantar as novas canções do seu terceiro álbum, “Convoque Seu Buda” (Oloko Records). Aliás, se fosse pela vontade dele, nem haveria um disco novo.

É que, aos 39 anos, depois de 20 anos de carreira praticamente anônima, hoje Criolo é aplaudido como messiânico e profético para uma legião de seguidores extasiados que alimentam esses rótulos em shows catárticos : “É uma loucura, às vezes vejo um mar de gente e fecho os olhos para não fraquejar ou gaguejar”, confessa, em entrevista por telefone ao Magazine. Mesmo sendo responsável por enraizar o rap na música popular brasileira, dividir microfones com Chico Buarque, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e agora se dedicar também a uma turnê com Milton Nascimento, ele chegou a decidir não lançar novos álbuns, pela “dificuldade de se expressar”, como gostaria. 

“Os rótulos não me incomodam, alguém tem que julgar e passar a foice. Mas preciso me expressar melhor e ser mais compreendido. Estou com quase 40 anos. Quando eu piscar o olho, vou estar com 50. Aí pensei: tem muita gente fazendo canções lindas no Brasil, por que eu estou gravando discos se nem sou entendido? Até então eu não ia cantar mais, só que bateram os 20 anos de carreira. É uma questão de perceber o que você construiu – mas se é importante ou não, isso já é outra coisa”, justifica ele.

Se há uma responsabilidade pela sequência criativa de Criolo, ela está nas mãos dos produtores Daniel Ganjaman, pai das sonoridades de Sabotage e Nação Zumbi, e Marcelo Cabral, figurinha carimbada de trabalhos das novas caras da MPB, como Kiko Dinucci e Juçara Marçal. Além do DJ Dan Dan, amigo do rapper desde 1998, e um dos fundadores da famosa Rinha de MCs com o amigo. “Essa é a tríade que me acompanha, me formou. Se não fossem eles, não teria disco. Eles conversam comigo desde antes de eu ter a ideia de lançar ou não um terceiro disco. E uma coisa é você ter uma ideia, a outra é ter gente genial absorvendo essa ideia e trazendo vida ao que existia só na sua cabeça. O Dan Dan chegou a me falar num intervalo de um show: ‘Cara, continua, porque nem você mesmo sabe aonde pode chegar, e tem gente pedindo bis lá fora’. Senti uma coisa forte, ainda que não haja sentido, mas eu senti a mesma vontade de cantar de quando decidi botar meu primeiro disco para girar”, justifica o rapper.

Ainda que insista não saber lidar com sua capacidade de comunicação, Criolo atraiu um público atento a cada palavra recitada por ele em letras aceleradas que se insinuam por dilemas sociais, retratos nus sobre o dia a dia do povo comum e, agora, flutuam pela busca de um equilíbrio espiritual. Em “Convoque Seu Buda”, ele se alimenta de Nin-Jitsu, Oxalá, Shiva, Ganesh, Zé Pilin e Changô, mas foge do estereótipo de religioso, assim como evita a nomenclatura “rapper” – reforçando sua pluralidade ao fazer do disco novo uma salada sonora de samba, reggae, guitarras psicodélicas, toques tropicalistas, pandeiros e até naipe de metais. “A coisa do Buda tem mais a ver com não perder a esperança na humanidade, fazer o chamamento de um Buda que concentra a espiritualidade, seja lá qual for a sua. Mas não sou grande estudioso de nada, tenho é fé no nosso tempo, e o disco é um clamor pela esperança, embora haja tanta desesperança retratada nas letras. É como atar nós para que as pessoas desamarrem”, dispara.

Por essas e outras indicações de lucidez contida em frases embaralhadas, Criolo se explica por suas próprias letras que misturam ternos Armani, rolezinho, miséria, sapatos Louboutin, greves, manifestações de junho de 2013, enfim. É nelas que se enxerga o homem do gueto que ganhou a Europa, mas continua taxativo com a realidade excludente das ruas do seu país: “O gostoso do inverno, tio, é fazer rolê sem passar frio” (“Plano de Voo”); um artista que critica o consumismo volúvel, pontuando estereótipos como “salto alto, MD, Absolut e suco de fruta” para carimbar que “nem todo mundo é feliz nessa fé absoluta” (“Duas de Cinco”); um cara que canta para uma “geração que não quer só maconha para fumar” e revela aos olhos mais desatentos que essa sociedade moderna do século XXI só está envolta em “novas embalagens para antigos interesses” (“Esquiva de Esgrima”).

Agenda

  • O QUE. Festa BH Sarará com show de Criolo, que antes terá abertura dos blocos Baianas Ozadas e Chama o Síndico
  • ONDE. Parque das Mangabeiras (avenida José do Patrocínio Pontes, 580, Mangabeiras)
  • QUANDO. Hoje, a partir das 14h
  • QUANTO. R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada)

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