Memória

Uma cartografia de sonhos 

Projeto de estudantes da PUC Minas constrói mapa histórico, geográfico e afetivo dos cinemas de rua da capital

Dom, 21/12/14 - 03h00

Vira e mexe, alguém escreve um texto ou uma análise sobre a “morte do cinema”. Os mais razoáveis dentre eles percebem que não é o cinema que está morrendo, mas uma ideia romântica de cinefilia – de um filme como uma experiência social e transformativa, menos comercial e pasteurizada do que ela se tornou hoje. E um dos principais sintomas disso é o desaparecimento das salas de rua.

“Os cinemas de BH ficavam perto dos cafés mais tradicionais da cidade, e as ruas ficavam lotadas com as pessoas que saíam dos filmes, ao ar livre, e ficavam falando sobre eles. Hoje, você sai para um lugar fechado, cheio de lojas, e não tem como absorver o que aconteceu dentro da sala”, reflete Luiza Therezo, publicitária recém-formada.

Ao lado das colegas Maria Fernanda Chicre e Natália Meira, ela decidiu investigar essa migração dos cinemas para os shopping centers na capital mineira em sua monografia de conclusão de curso, na PUC Minas. “E, à medida que o trabalho foi se desenvolvendo, a gente percebeu a relação de afeto e memória que as pessoas tinham com essas salas de rua, a sensação, a experiência”, conta Therezo. E sob a orientação do professor José Márcio Barros, o projeto acabou resultando no site “Cinema de Rua BH” (www.cinemaderuabh.com) – que, a partir do GoogleMaps e de depoimentos de antigos frequentadores, constrói uma cartografia geográfico-afetiva de 43 cinemas de Belo Horizonte.

“As pessoas carregam muita paixão e saudade por essas salas”, explica Natália Meira. Segundo ela, a monografia se dividiu em três capítulos: o primeiro, um histórico do mercado exibidor no Brasil; o segundo, uma análise mais focada no cenário em Belo Horizonte, com base no livro “O Fim das Coisas”, do pesquisador Ataídes Braga; e o terceiro é a cartografia em si, resultado do projeto.

“A gente falou tanto da memória dos frequentadores que achou errado que eles não tivessem acesso e participação ativa na própria história deles”, justifica Maria Fernanda Chicre, sobre a decisão de criar o site. “Podíamos ter feito um documentário, mas achamos a cartografia uma forma mais democrática de compartilhar essas informações. Funciona como um memorial desses cinemas e das pessoas que passaram por ali”, define Therezo.

Reminiscências. No ar há cerca de um mês, quando o trio apresentou sua monografia para a banca, o projeto ainda não foi muito divulgado, mas sua página no Facebook já conta com quase 800 curtidas. É de lá que tem surgido a maioria dos depoimentos, que são transportados para o site. Entre eles, está o de uma amiga que revelou que a mãe foi uma das fundadoras do Belas Artes, e outros ainda mais emocionados.

“O primeiro filme ninguém esquece. Foi ‘A Noviça Rebelde’. Havia um cinema, havia uma praça. Havia domingos ensolarados e uma fonte de águas dançantes depois dos filmes... Era um programa de domingo”, escreveu Julio Toledo em um deles, sobre o antigo Cine Candelária, na praça Raul Soares.

“É tão nostálgico. A gente fica emocionada pensando no tempo dessas pessoas, como nós não tivemos a chance de viver essa praça, esse domingo”, filosofa Therezo. A reminiscência ressalta o fato de que, na faixa dos 21-22 anos, as três pesquisadoras não tinham nem nascido ainda quando muitas dessas salas fecharam. Mas o desconhecimento dessa parte da história da capital não é exclusivo dos mais jovens.

“Outro dia me perguntaram se BH teve salas suficientes para fazer uma cartografia”, ri Therezo. Ela explica que, além das 43 listadas – que vão do Barreiro ao Cachoeirinha, passando pelo Centro – houve ainda várias, das quais elas não conseguiram achar o registro completo. “Se não achamos informações suficientes, não colocamos. Mas a ideia é que, com a ajuda do público do Facebook, a gente possa completar a pesquisa, usando depoimentos de quem frequentou esses outros espaços”, explica Therezo.

Mais do que a nostalgia, porém, a pesquisa revelou a realidade do cenário exibidor brasileiro nas últimas décadas. “Algumas dessas salas ficaram paradas no tempo, em termos de conforto, qualidade de projeção, segurança”, avalia Therezo. E ao mesmo tempo que isso lhes dava um certo charme, foi parte do motivo pelos quais os espectadores migraram para os shoppings. “Entramos com essa ideia romântica de que os shoppings destruíram o cinema, mas se não fosse por eles, o público não teria para onde ir”, pontifica Maria Fernanda Chicre.

A mudança de hábito ocorrida é tal que mesmo os espaços que estão sendo reabertos não voltam mais como salas comerciais – como o Sesc Palladium, em que o cinema é mero coadjuvante, ou o cine Santa Tereza, que deve retornar em 2015 como um Museu da Imagem e do Som.

“O fechamento dessas salas mudou a dinâmica da cidade, como a gente convivia em espaços públicos e passamos, agora, para os privados. É isso que nos inquietava e era sobre isso que queríamos falar”, sintetiza Therezo.

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Cinema de Rua BH

O site. www.cinemaderuabh.com

No Facebook. www.facebook.com/cinemaderuabh

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