Artes visuais

Uma década de um marco

Instituto Inhotim completa dez anos, consolidando o papel de divisor de águas

Dom, 23/10/16 - 02h00

Há uma década, quando foi aberto ao público em outubro de 2006, o Instituto Inhotim apresentava, além das galerias temporárias Mata, Praça, Lago e Fonte, dois pavilhões. Um contendo a obra “True Rouge”, de Tunga, e o outro com as instalações “Desvio para o Vermelho”, “Através” e “Glove Troter”, de Cildo Meireles. Outros trabalhos já se encontravam espalhados pelos jardins, uma das marcas do museu, também chamado de “Éden da arte” pela imprensa internacional.

Naquela época, o projeto contemplava 13 hectares (ha) de uma fazenda em Brumadinho. Atualmente abarca 140, comprovando o crescimento do espaço, que abriga mais de 500 criações de nomes brasileiros e estrangeiros relevantes no cenário artístico contemporâneo. São exemplos Lygia Pape, Hélio Oiticica, Claudia Andujar, Nuno Ramos, Ernesto Neto, Miguel do Rio Branco, a espanhola Sara Ramo, a colombiana Doris Salcedo, os estadunidenses Matthew Barney e Chris Burden, além da canadense Janet Cardiff.

Ao mesmo tempo em que ganhou amplidão, o Inhotim consolidou sua importância nos circuitos culturais do Brasil e do exterior. No âmbito local, a artista mineira Niura Bellavinha sublinha como a instituição compõe uma espécie de “trilogia” com outros momentos artísticos encontrados no país e em Minas Gerais.

“Nós tínhamos em Minas, antes de o Inhotim começar a existir, a arte barroca, a arte moderna, principalmente representada pelo conjunto arquitetônico da Pampulha, e agora a arte contemporânea. Nós temos três momentos da arte no Brasil importantes, e o Inhotim seria o terceiro pilar dessa história”, afirma Niura, que recorda o dia em que Tunga afirmou estar em diálogo com o empresário Bernardo Paz, que criou o museu.

“Eu estava com o Tunga quando ele me contou que iria passar a existir o Inhotim. Ele falou que estava vindo a Minas encontrar um fazendeiro que gostava de arte e iria fazer um museu muito importante. Tunga foi fundamental nesse processo”, diz a artista.

De lá para cá, a iniciativa interferiu no eixo de profusão do segmento, que encontra maior circulação em capitais como São Paulo e Rio, levando um rico acervo para o entorno de uma pequena cidade. O artista carioca Ernesto Neto ressalta como o Inhotim conseguiu, assim, atingir um alcance nacional e internacional funcionando em Brumadinho.

“Isso é interessante porque altera esse paradigma de que as grandes cidades são as principais antenas que geram conexão com o mundo. Inhotim acontece num município pequeno, no meio da mata, e mostra que as conexões, num mundo dos satélites, não precisam acontecer apenas nas capitais. Nós não precisamos ficar todos empoleirados nas cidades, é importante espalhar a humanidade pela terra de forma amorosa”, observa Neto.

O paulistano Nuno Ramos também destaca o aspecto geográfico, que “consegue levar as pessoas para um ambiente em que elas se deslocam entre arte e paisagismo”. Ele acrescenta que o museu se equipara a outros grandes projetos brasileiros dos anos 50 e 60, como o desenvolvimento do Museu de Arte de São Paulo, do Museu de Arte Moderna do Rio e da inauguração da Bienal de Arte de São Paulo.

“Ele é nossa instituição mais recente de grande importância. É uma iniciativa que redefine um pouco o jogo institucional em relação às artes plásticas e ao modo como as coisas são exibidas, com o foco no artista, que ocupa pavilhões, e não apenas em algumas obras”, pontua Ramos.

Ousadia. O cineasta e artista plástico mineiro Cao Guimarães acompanhou o surgimento do espaço, desde quando ele se chamava Centro de Arte Contemporânea Inhotim (Caci). Uma das qualidades dessa trajetória identificada por ele é a ousadia dos realizadores que apostaram em algo novo. Para Guimarães, essa atitude rendeu frutos, e um deles é o reconhecimento do Inhotim como parada obrigatória para os interessados em arte.

“Hoje as pessoas que vêm, por exemplo, para a Bienal de Arte de São Paulo, não deixam de passar pelo Inhotim. Desde que ele existe, muitas pessoas têm incluído BH em sua rota de viagem. A mesma coisa acontece para os que vêm à SP-Arte ou vão ao ArtRio, dois grandes eventos de arte contemporânea”, afirma.

Formação. Ao abordar o impacto das atividades promovidas no Inhotim, Guimarães comenta a possibilidade de a partir delas se contribuir para a população adquirir a formação de um olhar: “É uma forma de entender o universo da arte pouco acessível em outros contextos. Isso é algo distante do que a educação brasileira oferece. Esse repertório não se mostra nas escolas, e o fato de existir o Inhotim e de lá serem feitos trabalhos sociais e educativos ligados a escolas, aponta que há uma ação de formação do público. Isso pode permitir que algum deles se torne grande artista no futuro”.

Liliane Dardot, por sua vez, comenta que, ao conhecer Inhotim, ficou incomodada com a chance de ele se tornar uma proposta elitista. No entanto, conta que percebe uma abrangência no grupo de pessoas que frequentam o local. “A cada vez que vou lá, me surpreendo com o público que eles conseguiram mobilizar. Isso é importantíssimo. O Inhotim também nos oferece a oportunidade de conhecer de perto obras e artistas que não teríamos a oportunidade de entrar em contato”, relata.

Outra questão destacada por ela é o modo como a instituição consegue inserir os artistas brasileiros nos movimentos internacionais. “Eu vejo, por meio da minha filha (Marilá Dardot), como expor ali trouxe para ela muitos contatos no exterior, de curadores que passaram a conhecer o que ela faz nesse espaço. Isso era algo muito difícil para os artistas da minha geração”, diz Liliane.

Repercussão

Inhotim. Aberto ao público desde 2004, o centro de arte vem acumulando elogios desde então. O jornal espanhol “El País” se refere ao local como “Éden” e “algo parecido com o paraíso”. Já o jornal norte-americano “The New York Times” classifica o local como um “vasto jardim exuberante de arte”, lembrando que Bernardo Paz é o “imperador do Inhotim”. Por fim, o jornal britânico “The Guardian” chama o parque de “galeria gigante a céu aberto” e lembra do alto custo necessário para mantê-lo.


Homenagens

Inhotim inspira série e música

Está prevista para estrear em 2017 uma série no canal Curta! que vai mostrar, em 13 episódios, parte do acervo, dos processos de curadoria e do jardim botânico do Inhotim. Além desse trabalho, que tem direção de Pedro Urano, o público vai poder conhecer, em dezembro deste ano, uma peça musical, composta por Jônatas Reis a pedido da Orquestra Jovem Inhotim. Ao pensar na temática que iria abordar, resolveu homenagear o espaço. “Fiz uma peça que se chama ‘Os Jardins de Inhotim’, com cinco movimentos: ‘As Palmeiras’, ‘A Vista do Lago’, ‘O Jardim Desértico’, ‘O Largo das Orquídeas’ e ‘A Árvore Tamboril’. A música começa num clima festivo, depois se torna calma, como se estivéssemos contemplando o lago. Ao fim, retomamos um movimento alegre, que lembra bem os ritmos brasileiros”.

Urano, por sua vez, conta que cada episódio da série terá 52 minutos e, com exceção de apenas dois, centrados na curadoria e nos jardins, cada um vai destacar o trabalho de artistas como Tunga, Cildo Meireles e Miguel do Rio Branco, além do estadunidense Matthew Barney.

“Desejo que seja instigante, seja para quem conhece ou para quem nunca foi. Para os que já visitaram, propõe uma abordagem da obra de determinado artista, relacionando o que está exposto com uma visão da produção do retratado”, diz Urano.

2 MILHÕES

Foi o número de visurtantes que circularam por Inhotim, desde a data em que o museu foi inaugurado até agosto de 2015.


Minientrevista

Bernardo Paz
Idealizador do Instituto Inhotim

FOTO: Carol Reis/divulgação
 

O Inhotim nasceu de um sonho de Bernardo Paz, 67, empresário da área de mineração que decidiu usar o espaço de sua fazenda em Brumadinho para algo maior. Citado pelos funcionários como visionário, ele provavelmente sabia, já naquela época, que “maior” significaria algo em crescimento constante, um corpo pulsante que nunca para.

Em conversa com a reportagem, ele falou sobre as motivações que o levaram a fundar o Inhotim e como a sua percepção sobre a arte guiou este caminho nos últimos dez anos.

Das obras que já passaram pelo Inhotim ou que ainda permanecem nele, alguma te marcou mais?

As primeiras aquisições da coleção foram fundamentais para delinear as ideias norteadoras do Inhotim. Foram peças do Tunga, um dos maiores artistas contemporâneos, que faleceu em junho passado. Desde o primeiro momento, seu trabalho me impressionou absurdamente. É de uma potência incrível, representa a vida em todos os seus sentidos. Foi a partir das obras e do pensamento dele que vislumbramos o Inhotim, que tivemos a ideia de aproveitar a fazenda que eu tinha para algo maior. Para mim, a obra mais importante é essa que estamos construindo: o próprio Inhotim, um paradigma para o mundo. É um destino capaz de transformar por meio da beleza e da sensibilidade. As pessoas vêm de todos os lugares para conhecer esse paraíso do qual ouviram falar e querem ver com os próprios olhos. Foi justamente o olhar das pessoas que me fez perceber que isso era possível.

Nestes dez anos do Inhotim, que balanço você faz?

O Inhotim vem transformando não só o Brasil, como o mundo. Primeiro, mostramos uma forma inovadora de expor a arte contemporânea, que deixou os diretores dos grandes museus do mundo de queixo caído, pois criamos uma maneira de experimentar a arte. Muitas obras que estão aqui não poderiam ser realizadas em outro lugar. Essa ideia de expor a arte com a natureza e com o paisagismo em espaços enormes é difícil de ocorrer em outro lugar do mundo. Inhotim se tornou um passeio mágico. As pessoas ficam fascinadas e não se cansam, passam dias e dias e se espantam com a beleza.

Como mostra o crescimento gradual do espaço nesses últimos anos, é possível ainda prever mais crescimento e novidades para os próximos anos?

De uma fazendinha, o Inhotim se transformou em 2.000 hectares de planos: novas galerias, teatros, hotéis, vilas autossustentáveis, longe das grandes multidões das cidades e em sintonia com a preservação ambiental. O Inhotim que estamos criando deixou de ser um museu ou um parque botânico para ser o que eu chamo de “estado de espírito”. Agora estamos buscando investidores e parceiros para realizar isso tudo. Temos projetos de diversos espaços, e mais encaminhados estão: o hotel, que agora terá a parceria do Txai, um resort incrível da Bahia; um prédio-obra do Olafur Eliasson; e o projeto de um espaço para duas obras fantásticas do Anish Kapoor. Em breve, para visitar tudo serão necessários mais de dez dias. O Inhotim se transformou em um destino, não é mais um lugar de visitação. (Juliana Baeta)

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