O teatro em 1967

Uma estética da agressão

Na direção de José Celso, o Oficina estreia “O Rei da Vela”, texto de Oswald de Andrade, crítico às estruturas capitalistas

Dom, 22/01/17 - 02h00

Pensar o teatro no ano de 1967 é uma parada obrigatória na montagem de “O Rei da Vela”, obra escrita por Oswald de Andrade em 1933, mas que ganhou os palcos mais de três décadas depois de sua criação. A peça, marco revolucionário do teatro brasileiro, foi uma produção do Teatro Oficina, dirigida por José Celso Martinez em pleno contexto da revolução cultural e no limiar do AI-5, período mais violento da ditadura militar. “Toda a estrutura do texto vai revelar mecanismos de afirmação do capitalismo, de maneira debochada como era típico de Oswald”, comenta o diretor e pesquisador Luiz Paixão.

Além da relevância enquanto um movimento da contracultura, Luiz aponta o espetáculo como um marco, em especial, em termos de investigação estética. “A montagem assinala a presença de Zé Celso na Tropicália, em uma mistura de gêneros e formas. Ele vai trazer, por exemplo, influências de Artaud com o circo. Há uma investigação estética que cinde o teatro brasileiro em termos de encenação. Guardadas as devidas proporções, ela vai representar o que ‘Macunaíma’ representou nos anos 80”, diz o diretor.

“Além da novidade de um texto tão revolucionário para a época, ‘O Rei da Vela’ tem uma ousadia na montagem que conseguiu pegar um texto de 30 anos atrás e atualizá-lo tanto na linguagem estética como na proposta política do Oficina, que era o teatro da agressão, algo que ganhou peso no Brasil, particularmente, com Zé Celso”, observa.

Luiz explica que, anteriormente ao projeto que o Oficina iria desenvolver, havia no Brasil um teatro político que vinha sendo feito a partir de reflexões sociais voltadas para o trabalhador, por exemplo, com o trabalho do Arena e do Centro Popular de Cultura, o CPC. “Com o golpe militar, que teve o apoio da sociedade civil e da classe média, o teatro político não poderia mais discutir tais questões. Nesse contexto, surge, em 1964, o Opinião, que vai buscar uma linguagem para a classe média. Era preciso discutir a classe média que estava narcotizada pelo golpe e tentar atingi-la, transformar sua consciência”, conta.

O contexto, no entanto, atingiu o Oficina de outra maneira. “Zé Celso entendeu que a relação com a classe média tinha que ser bruta. As pessoas que estavam sentadas na plateia tinham responsabilidade histórica e precisavam de uma chacoalhada para serem despertadas. O teatro da agressão, então, propõe agredir a classe média de maneira brutal para ver se acordava”, comenta Luiz.

A montagem do texto de Oswald marca o início desse projeto que reverberou em montagens como “Roda Vida” e “Na Selva das Cidades”. “Em ‘O Rei da Vela’, eles colocaram um boneco, inspirado no modelo nordestino que, ao mexer, aparecia um pinto que jogava um pó direcionado para a plateia. Eles faziam uso desse tipo de elemento para escandalizar o público. Mas o processo ficou no meio do caminho porque essa agressividade contra a burguesia, uma das responsáveis pelo golpe, foi abraçada pela classe média como uma relação estética. Não houve transformação. As pessoas iam ao teatro para serem agredidas e curtiam aquilo”, observar Luiz.

Embora com outra perspectiva e já em outro momento do Oficina, o fato histórico nos remete a “Pra Dar um Fim no Juízo de Deus”, texto de Artaud remontado pelo Oficina em 2016. Na peça, o elenco coloca a plateia para cheirar as fezes de um ator, o que, em sua maioria, gera aceitação do público, sem relutância à provocação de Zé Celso.


“Navalha na Carne”: passeio no lado selvagem

Uma das vítimas mais óbvias da censura nos palcos brasileiros em 1967 foi “Navalha na Carne”. Obra de Plínio Marcos – um habitué da vida selvagem paulistana, além de, claro, um dos maiores dramaturgos do país –, a peça encenou, primeiramente em São Paulo, sem pudores, algumas das ignições criativas e temáticas que se tornariam a poderosa assinatura do artista. Walmor Chagas e Cacilda Becker encarnavam boa parte daquilo que a vigilância – da tradicional família, da ditadura, do sujeito “comum” – temia e queria calar na época: prostituição, homossexualidade, vidas transgressoras. Logo o texto foi censurado e só pôde ser encenado 13 anos depois. (Thiago Pereira / Especial para O TEMPO)

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