Entrevista

Marcelo Gleiser alerta para risco de Brasil entrar 'em uma era de obscurantismo'

Físico e astrônomo diz que momento é de valorizar a ciência e se preocupa com fake news e ondas negacionistas; pensador participa nesta terça (18) do webinário ‘Conversas sobre perguntas’

Por Bruno Mateus
Publicado em 18 de agosto de 2020 | 07:11
 
 
Marcelo Gleiser diz que a ciência não é a única forma para descrever a realidade do mundo físico Dartmouth College / Eli Burakiae

Durante a quarentena, o físico, astrônomo e escritor Marcelo Gleiser tem dado diversas entrevistas e participado de lives que, invariavelmente, envolvem debates sobre filosofia, espiritualidade e ciência. Foi pelo conjunto da obra e por propor estudos em que essa trinca se complementa que o carioca, de 61 anos, ganhou o Prêmio Templeton, em março de 2019. A distinção, pela primeira vez concedida a um latino-americano, é considerada o “Nobel da Espiritualidade” e ressaltou o trabalho de décadas de um intelectual que nunca colocou ciência e religião como inimigas.

Esses e outros assuntos serão abordados nesta terça-feira (18), às 17h, quando Marcelo Gleiser encerra o webinário “Conversas sobre perguntas”, que traz o tema “Ciência, espiritualidade e futuro”. A transmissão acontece ao vivo pelo canal da Casa Fiat de Cultura no YouTube

Sempre que tem oportunidade, Gleiser bate em uma tecla: esse é o momento de valorizar e investir no conhecimento científico, caso contrário o Brasil assinará seu atestado de óbito. Conspirações terraplanistas, negacionismos de toda sorte e fake news, que muitas vezes atacam e deslegitimam a própria ciência, deixam o escritor inquieto.

Para o pensador, esse cenário favorece grupos e interesses de quem não quer a participação democrática da sociedade e é, ainda, extremamente danoso para uma nação, e quem paga o preço são os jovens, que têm suas opções de futuro seriamente prejudicadas. “Se a sociedade não acordar para o que está ocorrendo, o Brasil entrará numa era de obscurantismo que reverterá o país a um regime fascista em que o Estado provoca a ignorância da população para facilitar seu controle ideológico. É isso que estamos vendo no Brasil e nos Estados Unidos”, afirma.

Marcelo Gleiser diz que a pandemia expôs nossas fragilidades e vulnerabilidades de forma “muito óbvia e dolorosa” e aponta que a relação do ser humano com a natureza tem de mudar radicalmente. Além disso, o cientista pondera que a crise global pela qual passamos também evidencia o fracasso “dos nossos modelos antigos, de uma economia baseada em combustíveis fósseis e agropecuária, em valores imobiliários enormes, nas injustiças econômicas sociais que vemos por aí, agora amplificadas”.

Por outro lado, o acadêmico vê o futuro com esperança: “Como sou otimista, acho que essa pandemia vai nos tornar mais humildes e cientes da nossa dependência da natureza”. Tema do encontro de hoje, a espiritualidade, que ele define como “uma conexão com algo maior do que somos, que inspira crescimento e humildade”, é um dos assuntos nos quais Marcelo Gleiser se aprofunda há décadas. Ele ressalta que as pessoas precisam de outra dimensão para lidar com os desafios do dia a dia e, historicamente, períodos de crise e caos levam a um crescimento ou expansão espiritual.

É essa busca por respostas, por tentar entender de onde viemos, quem somos e sobre o mundo em que vivemos que, segundo o astrônomo, que nos diferencia e dá a possibilidade de alcançarmos um patamar moral mais elevado: “Essa busca é uma forma de lidar com os mistérios e justamente o que nos torna humanos”.

Rotina

Marcelo Gleiser atualmente mora em Hanover, no Estado norte-americano de New Hampshire, onde leciona física e astronomia no Dartmouth College. Além das pesquisas e da rotina acadêmica, ele acompanha o dia a dia dos dois filhos adolescentes no ensino a distância, leva adiante três projetos de livros e alimenta o canal no YouTube criado em maio, no qual compartilha palestras, vídeos sobre temas atuais e cursos grátis.

Em três meses no espaço virtual, Gleiser já acumula 100 mil seguidores e quase 2 milhões de visualizações. “É o meu projeto de democratização do conhecimento”, ele comenta. “A pandemia tem sido um momento de criação e reflexão. O trabalho continua, e cada vez mais intenso”, completa. 

Webinário reuniu diversas vozes

Durante um mês – de 14 de julho a 18 de agosto –, a Casa Fiat de Cultura, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o Memorial Minas Gerais Vale e o MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal, integrantes do Circuito Liberdade, se reuniram em uma ação conjunta e colaborativa para promover o webnário “Conversas sobre perguntas”, que apresenta a última edição hoje. 

Mediados pela jornalista Daniella Zuppo e transmitidos pelos canais das instituições no YouTube, os encontros abordaram assuntos diversos e receberam nomes como o líder indígena Ailton Krenak, a futurista Lala Deheinzelin, o economista e professor Eduardo Albuquerque, a administradora e professora Grazi Mendes, o psicanalista Christian Dunker, a escritora Conceição Evaristo e a crítica de arte Júlia Rebouças.

Ao todo, cerca de 10 mil pessoas já acessaram os debates online, que ficarão disponíveis nos canais dos respectivos espaços. A gestora cultural da Casa Fiat de Cultura, Ana Vilela, enaltece a iniciativa e ressalta a missão das instituições culturais na promoção do conhecimento. “A parceria foi muito rica em termos de experiência coletiva, envolveu cerca de 40 pessoas das equipes dos equipamentos nos bastidores. Realizamos nosso papel de promover reflexões e tentar fazer as pessoas perceberem os mundos possíveis que podemos construir”, afirma a gestora. 

Ana Vilela diz que a continuidade do projeto já está sendo estudada e que os centros culturais pretendem dar sequência ao webinário, mas talvez não para este ano. Enquanto isso, Casa Fiat de Cultura, o Centro Cultural Banco do Brasil, o Memorial Minas Gerais Vale e o MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal continuam com suas programações online durante a pandemia.