Dias de pandemia

Olhar de criança para a quarentena inspira livro infantil em BH

Bruna Lubambo lança, neste sábado, obra que flagra um menino que vê a sua casa abrigar lagoas, montanhas, pomares - e muitas aventuras

Por Patrícia Cassese
Publicado em 11 de julho de 2020 | 03:00
 
 
Além de ser a autora, Bruna também ilustrou a obra, ali mesmo, na sala de casa, utilizando tinta acrílica e giz Aletria/Divulgação

Se a quarentena causa estranheza e apreensão em nós, adultos, imagine na cabeça de uma criança que ainda não tem repertório suficiente para elaborar todos os componentes envolvidos neste inusitado contexto atual? Pois bem, foi ao observar amiúde as reações de seu filho, José Mariano, em casa, nestes dias de isolamento, que a artista e escritora Bruna Lubambo resolveu dar start ao livro "Dentro de Casa" (editora Aletria), que será lançado hoje, no perfil da contadora de histórias Mariane Bigio (@marianebigio). Além da narrativa oral propriamente dita, a programação inclui uma entrevista com Bruna e a realização de oficinas direcionadas a crianças. O livro tem sua versão física, que, por ora, pode ser adquirida no site da editora, ao preço de R$ 32.
 
"Dentro de Casa" baliza a primeira obra em que Bruna Lubambo assina texto e ilustrações. O livro foi produzido como o título já indica: de dentro de casa. Não bastasse, o marido da autora, o músico Zé Henrique Soares, que integra a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, se incumbiu da trilha sonora para a versão e-pub. Em um quarto-estúdio ele gravou a trilha com instrumentos como marimba, caixa clara, tom-tom, vibrafone, chocalhos e apitos.
 
Na narrativa, o pequeno protagonista vê sua casa abrigar o mundo e os cômodos darem lugar a lagoas, montanhas e pomares. "A ideia central, bem como as demais, desmembradas dela, desse mote do livro, vieram das vivências diárias com meu filho na quarentena. Das brincadeiras, de uma necessidade minha de registrar isso. E também, de certa forma, da necessidade de me acalmar. Uma espécie de: 'Calma, Bruna, seu menino está feliz, ele está construindo algo bonito nesse período'. Claro, sem os amiguinhos, sem a vovó e sem o vovô (que já moram longe, mas vez ou outra vinham aqui), sem coisas grandiosas. Mas lembrando que isso aqui dentro também é grande, e também muito bonito", explana.
 
Mas o pequeno José Mariano não foi a única fonte de inspiração da autora. "Digamos que metade desse livro é ele, a outra parte é a criança que eu fui, e que ainda sou - pois, de certa forma, a criança que a gente foi permanece dentro de nós. E outra parte desse narrador, desse olhar de criança que o livro tdraz, eu diria que vem de outras crianças com as quais convivi, em especial, as  lá de Vila Velha, na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, que é de onde a minha família vem e onde vive", explica a moça.
 
Instada a falar da faixa etária que o livro visa atingir, Bruna enfatiza acreditar que seja para todas. "De fato acredito muito nisso, mesmo. Porque, para mim, um bom livro, ele cresce com o leitor, então, vai ser interessante para os adultos de uma forma, para os muitos pequenos, vai ser interessante por outras razões, e para os crescidos, as crianças maiorzinhas, por outras, a partir da vivência e da experiência de cada um". 
 
A narrativa do livro, prossegue Bruna, tem início com o narrador revelando ao leitor que algo muito estranho aconteceu em sua casa. "Tem um momento em que ele fala que 'tudo começou com um estrondo'. E, aí, sua casa começou a crescer, a crescer, a crescer... E cresceu tanto que, de repente, ficou impossível atravessar a sala em menos de um dia. A partir daí, segue com um passeio pela casa, que a gente vê que, se fosse de verdade, não seria muito grande. Mas ela se agiganta nessa narrativa da criança,. Então, essa casa virou o mundo. E daí ele fala dos bichos, do pé de tapioca que nasceu no meio da cozinha, da serra que atravessa todos os dias para chegar a seu quarto, num percurso que ele vai com a mãe na hora de dormir, e que às vezes é tão longo que eles precisam acampar no meio do caminho", destrincha.
 
Bruna frisa que a narrativa não cita diretamente a quarentena, o isolamento provocado pelo advento do novo coronavírus. "Mas por, ser passada dentro de casa, por estar sendo lançada neste contexto, acho que isso fica bem claro para o leitor adulto, para o leitor um pouco mais velho. E de certo modo a criança também entende isso", acredita. O objetivo principal, relata a autora, foi falar sobre a necessidade de tentar manter o encanto mesmo com as inevitáveis tristezas que existem na vida. "Esse livro, inicialmente eu fiz um pouco pra mim, mas queria muito que o recado fosse esse, o de que as tristezas existem, o de que as coisas nem sempre são fáceis. A gente enfrenta muitas questões - algumas pessoas mais, outras menos. Cada um, dentro do seu contexto, de suas vivências, tem suas dificuldades, suas tristezas. Mas que o encanto precisa permanecer".
 
E sim, José Mariano, o filho de Bruna, aprovou 100% o resultado. "Eu já li para ele inúmeras vezes, e é muito legal. Não imaginava que ele fosse gostar tanto! Sempre pede para ouvir o livro 'que mamãe escreveu'. Acho que percebeu que tem muito dele ali. Na verdade, já sabe contar algumas partes, o que é uma baita de uma alegria pra mim", assume.
 
Dias de quarentena. Bruna assume que os dias de quarentena não são fáceis. "Cada dia é um dia, mas eu também devo dizer que reconheço ter alguns privilégios, como o de, por exemplo, poder trabalhar em casa, em home office; bem como um marido que divide tudo comigo, em termos de cuidados com a casa, com nosso filho, de horários de trabalho também". A presença do filho varre qualquer traço de um eventual tédio. "Ele é a alegria da casa. Acho que tem outras angústias, questões, cansaços, preocupações, mas, em termos de tédio, não posso me queixar". 
 
Por outro lado, ela tem tomado uma série de medidas. "Fixei horários de trabalho mais claros para não virar um bololô de coisas dentro de casa, pois acredito que essa coisa de se deslocar para ir ao trabalho, para fazer as coisas, promove um certo ritual na vida da gente. Quando a gente concentra tudo dentro de casa, é mais fácil virar uma bagunça".
 
No mais, prossegue, na medida do possível, é respirar fundo. "Tomar um sol, ler um livro, beber bastante água, comer bem, cantar muito. E uma coisa muito legal foi trazer meu filho para a rotina da casa. Claro que ele só tem dois anos, não dá conta de ajudar em tudo, mas, às vezes, brinca de ajudar. Então, se estou lavando os pratos, passo o sabão e ele consegue enxaguar alguma coisa. E, nisso, a gente vai conversando, cantando. E se torna também uma brincadeira, enquanto eu já estou ali, adiantando a louça para lavar (risos). A mesma coisa vale para colocar roupa para lavar, para guardar. Talvez seja uma boa dica par aoutras famílias", salienta. 
 
Incumbido da trilha sonora, Zé Henrique Soares lembra que a inspiração veio da "Sarabande, suíte nº 4 para violoncelo", de Bach. "Esse movimento da suíte é conhecido por ser introspectivo. Tem só uma melodia, não tem acompanhamento, nenhum contraponto, e já foi usado diversas vezes na história como trilha que falam mesmo da solidão, do sofrimento individual das pessoas. Então, fiz um arranjo, e o início da trilha é basicamente ele. A melodia está inteira lá, embora não seja tocada sem acompanhamento. E depois tem uma segunda parte, que fala um pouco sobre superar essas dificuldades e conseguir chegar a um lugar mais interessante de se viver. Aí, ela é mais rápida, sai do contexto harmônico da suíte para estar num lugar mais animado, com mais informação sonora, enfim". A ideia foi usar instrumentos que o músico já tinha em casa, bem como ter gravado em casa, "da maneira possível (nesta quarentena)".