Crítica

'Para Sempre Alice' no total domínio da arte de perder 

Baseado no livro de Lisa Genova, longa rendeu Oscar de atriz a Julianne Moore

Qui, 12/03/15 - 11h11
Julianne Moore recebeu mais de 30 prêmios pelo papel de Alice, inclusive o Oscar | Foto: Divulgação

Quando recebeu o convite para protagonizar “Para Sempre Alice’, que estreia hoje, Julianne Moore entrou em contato com vários familiares e pacientes de Alzheimer. Ela ouviu experiências, sintomas, histórias. E depois se sentou com os roteiristas e diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland e modificou ou retirou do roteiro todas as cenas e episódios que não condiziam com a realidade que havia pesquisado.

Isso deixa claro por que “Para Sempre Alice” é um filme de Julianne Moore. Presente em praticamente todas as cenas do longa, a atriz dita o tom de cada uma delas – e do filme como um todo. Ela é o maestro evitando a nota desafinada, o apelo do melodrama ou a tentação da “grande cena”.

Sua abordagem é respeitosa, e essa é a palavra-chave do filme. Moore não interpreta uma vítima de Alzheimer, mas uma mulher lutando contra uma doença, e pelo controle de sua própria vida e de sua identidade.

Ela vive Alice Howland, PhD em linguística da Universidade de Columbia, diagnosticada com Alzheimer precoce aos 50 anos. Definida por sua intelectualidade, sua articulação e domínio acadêmicos, a protagonista tenta se agarrar a essa identidade enquanto busca aproveitar os momentos restantes de sanidade com o marido, John (Alec Baldwin), e os três filhos.

É esse o processo narrado pelo longa de Glatzer e Westmoreland – e o seu maior desafio. Porque, ao contrário de outras grandes doenças retratadas no cinema, o Alzheimer não causa uma grande transformação física e, consequentemente, não se dá a imagens fortes ou cinematográficas. Sua degradação é interna.

E a ferramenta que os diretores usam para tornar isso visível é a montagem. “Para Sempre Alice” faz um uso extremamente funcional da elipse e dos saltos temporais. No começo do filme, eles são curtos e quase imperceptíveis – banais, como quando Alice esquece uma palavra no meio de uma palestra. Com o passar da história, eles vão ficando maiores e o espectador fica cada vez mais incerto de quanto tempo se passou entre uma cena e outra, e do que aconteceu no período – porque essa é a desorientação da protagonista.

Essa é a crueldade do Alzheimer. No centro e no comando da situação, e de todas as cenas, mesmo após o diagnóstico, Alice vai lentamente sendo deslocada para a periferia do quadro – até chegar o ponto em que o marido e os filhos falam dela como se ela não estivesse ali.

E a luta de Moore pela dignidade e pela agência de sua personagem é o que torna esse processo tão dolorido, e não grandes cenas melodramáticas. “Para Sempre Alice” tem suas sequências mais fortes, mas são pequenos momentos, como quando Alice elogia a performance da atriz Lydia (Kristen Stewart) em uma peça, sem reconhecer que ela é sua filha, que pegam o espectador de jeito.

Porque Glatzer e Westmoreland nos fazem enxergar a história do ponto de vista de Alice. E em cenas assim, você percebe que ela não é mais uma narradora confiável e, por mais que tente brigar por ela, vê a personagem lentamente começar a desaparecer – tornando-se, nesta ordem, dependente, errática, frágil: tudo que ela não era.

E é essa sensação que faz o espectador entender o que Alice quer dizer quando afirma em uma palestra que Alzheimer é a “arte de perder”. No começo, são perdas pequenas – um endereço, um nome – até o paciente começar a perder as memórias que fazem dele quem ele é.

É uma destruição interna, em que o corpo permanece intacto – por mais que o filme encontre uma maneira eficiente de externalizá-la no figurino de Alice –, mas a identidade é corroída. Até restar apenas um fantasma frágil e infantil de uma pessoa que um dia esteve ali. E que, como a ótima cena final demonstra, sobrevive apenas na memória e no amor de quem fica.

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