Indie 2014

Metamorfose ambulante 

Mostra de Cinema Mundial chega à sua 14ª edição, recheada de novidades que reafirmam a cara do festival

Por Daniel Oliveira
Publicado em 02 de setembro de 2014 | 03:00
 
 
Nacional. O pernambucano “A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcante, foi o grande vencedor no Paulínia Film Festival fotos zeta / divulgação

Para um festival que se propõe jovem, contemporâneo e se alicerça no frescor de sua curadoria, o desafio do Indie – Mostra de Cinema Mundial é manter essas características depois de 14 edições. “O que todo mundo quer é não ser o que está cansado de ser, mas sem perder seu perfil e sua personalidade”, filosofa Francesca Azzi, curadora do festival.

Em 2014, essa mudança significou para o Indie – que começa amanhã e, até o dia 10, apresenta 62 filmes de 20 países nos cinemas Belas Artes, Humberto Mauro e no Sesc Palladium – buscar renovação, abrindo as portas para mentes afins, que pensem o cinema da mesma forma que a mostra. “A gente sempre foi muito ‘do it yourself’, pondo a mão em tudo, e chega uma hora que fica estressado, cansativo, não dá conta”, confessa Azzi.

Sangue novo como o de Gustavo Beck, por exemplo, ajudou a trazer um olhar renovado sobre o cinema argentino para a curadoria da mostra mundial. “Ele fez uma aposta em filmes mais originais, de diretores estreantes ou no segundo longa, com uma pegada autoral e começando a desenvolver seu cinema”, provoca a curadora. Ela adianta que as propostas de linguagem feitas pelos títulos selecionados, como “A Princesa da França” e “Dois Disparos”, são bem menos convencionais e mais próximas do estilo do Indie do que o público está acostumado a ver do cinema hermano.

Já a jovem Ana Clara Matta, belo-horizontina de 24 anos, participou do retorno à mostra do Música do Underground. “Ela era um sucesso, todas as sessões lotadas, mas os documentários começaram a ficar chatos e repetitivos para mim”, explica Azzi, sobre o sumiço da seção. Para repensar a seleção, o Música volta agora uma perspectiva histórica, reconstruindo o movimento punk em nove longas. Entre os destaques, estão a exibição em 35mm de “The Great Rock'n'roll Swindle”, documentário dirigido por Julien Temple em 1980 em torno da figura de Malcolm McLaren, e os estudos da presença feminina e LGBT no punk, respectivamente em “The Punk Singer”, de 2014, e “She’s Real”, de 1997.

Outra seção que ganha um caráter histórico é o Indie Brasil. Mas sem perder o espírito, o estilo e a linguagem do festival, o recorte feito pela curadora Daniela Azzi focou no período mais jovem e contestador da filmografia brasileira, o cinema marginal. Para ela, esse retorno ao passado foi natural porque “o público da mostra é muito aberto a esse tipo de cinema e muita gente já ouviu falar desses clássicos, mas nunca viu. Quem nunca ouviu falar de ‘Matou a Família e Foi ao Cinema’ Só que desses, quantos realmente assistiram?”, reflete Daniela.

Além dele, outro longa dirigido por Julio Bressane que será exibido é o cult “Memórias de um Estrangulador de Loiras”. Bem menos conhecido, ele foi realizado pelo cineasta durante o exílio na Inglaterra, em 1971, e pouquíssimo visto. Toda em 35mm, a retrospectiva, completada por “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, vai revelar ainda trabalhos brasileiros recentes que lançam olhares novos e irreverentes sobre temas já explorados pelo cinema nacional, como a revisitação da morte no musical “Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas; ou o sertão nordestino noturno e inédito de “A História da Eternidade”, do pernambucano Camilo Cavalcante – respectivamente, melhor som e melhor filme no último Paulínia Film Festival.

Se a seleção nacional decidiu voltar seu olhar para o passado, os dois diretores homenageados da edição – o catalão Albert Serra e o franco-americano Eugene Green – reafirmam a proposta do Indie de voltar seu olhar para o que há de mais inovador no cinema contemporâneo. “Os dois criam universos próprios e uma ruptura com a linguagem muito forte, não querem fazer cinema como tudo mundo faz”, comenta Francesca Azzi. Mas as semelhanças param por aí.

Falastrão e desafiador, Albert Serra é uma figura controversa, amado por uns e odiado por outros. Adotado pelo Indie há algum tempo, (seu longa mais recente “História da Minha Morte” foi exibido na mostra do ano passado), o cineasta transpõe sua formação em teoria literária para o cinema, levando personagens como Drácula e Sancho Pança para seu universo difícil, observativo e pouco usual. “Ver o Dom Quixote dele em ‘Honra dos Cavaleiros’, é como reabrir um livro velho e descobrir ali um personagem que você nunca soube que existe. É essa originalidade que tem feito Serra ganhar prêmios e reconhecimento mundo afora”, comenta a curadora sobre o diretor que terá cinco longas, cinco curtas e um documentário sobre seu processo criativo na programação da mostra.

Já Green é um professor norte-americano naturalizado na França, que fez seu primeiro longa aos 54 anos. Pesquisador de teatro, seu cinema formalista e preciso busca desconstruir e refletir as normas de encenação, como os personagens falam e se posicionam diante da câmera no cinema. “Causa um estranhamento porque elementos como o plano e contra-plano, que são normais no cinema, para ele não são naturais. E ele começa a questionar isso, e essa é a assinatura dele”, é a análise de Azzi, que o público poderá conferir em cinco longas e três curtas.

Completando essas novidades, está o Indie de sempre, recheado de produções internacionais premiadas e imperdíveis – como o polonês “Ida”, o inglês “Exibição” e o norte-americano “Listen Up Philip”. “O festival fica maduro, e nós curadores também ficamos, tentando manter o frescor, mas com mais sabedoria. Se antes, íamos atrás do que era possível, hoje a gente sabe e vai atrás do que realmente quer”, afirma Francesca.

 

Programe-se

Indie 2014

Quando. de 3 a 10/9

Onde. Belas Artes (rua Gonçalves Dias, 1.581); Humberto Mauro (av. Afonso Pena, 1.537); e Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420)

Programação completa. www.indiefestival.com.br