CRÍTICA

Sobre o reverso e os reveses da fortuna

Cate Blanchett está fantástica no novo longa-metragem de Woody Allen, “Blue Jasmine

Por LUDMILA AZEVEDO
Publicado em 22 de novembro de 2013 | 11:44
 
 
Blue Jasmine de Woody Allen IMAGEM FILMES / DIVULGAÇÃO

Cate Blanchett não poderia ter sido uma escolha melhor para interpretar a personagem-título do novo filme de Woody Allen. Em “Blue Jasmine” ela conjuga duas de suas maiores qualidades como artista: a densidade e a elegância.

O cenário volta a ser os Estados Unidos, depois da incursão do diretor por Roma (“Para Roma com Amor”, de 2012) e Paris (“Meia-Noite em Paris”, de 2011). Mas no lugar da charmosa Nova York com a aura cult e a trilha jazzística, está uma refrescante São Francisco. Um contraponto interessante, uma vez que Jasmine está no sufoco.

Na primeira cena, ela descreve o quanto Hal (Alec Baldwin) é maravilhoso para uma senhora que senta-se ao seu lado durante o voo. Tudo aparentemente no lugar, até que fica claro que a elegante Jasmine está praticamente jogando palavras ao vento. Os devaneios sobre o marido, que proporcionou a ela uma vida de luxo e acabou na cadeia, serão recorrentes.

Sem ter onde morar, ela vai passar uns tempos na casa da irmã separada e mãe de dois meninos. As duas foram adotadas, porém o conflito é anterior à atual conjuntura. Jasmine, que na verdade se chama Janette, sempre foi vista como a que tinha “o melhor DNA” por Ginger (Sally Hawkins). Para completar, a hóspede é acusada de ter levado um empreendimento da dona da casa de seu ex-marido Augie (Andrew Dice Clay) ao buraco.

Grandes atuações. A complexidade com a qual a personagem Jasmine é construída é o ponto alto do filme. Blanchett vai da soberba ao desequilíbrio completo de maneira impressionante, com doses de uma estranha comicidade e de melancolia.

Ao querer “começar do zero”, ela simplesmente não consegue aceitar ocupações que considera menores, como recepcionista. Jasmine decide, então, fazer um curso de decoração de interiores online, no entanto mal sabe usar o computador. Seu processo de aprendizado é tão penoso quanto o de adaptação à nova realidade.

Uma orquestração que Woody Allen já mostrou dominar dirigindo atrizes como Diane Keaton, Dianne Wiest, Mia Farrow, Penélope Cruz, dentre outras. Todas levantaram estatuetas douradas para casa após a parceria com o diretor, e a torcida é para que o mesmo aconteça com Cate Blanchett.

Outra atriz que brilha em cena é Hawkins, mais conhecida pelo seu papel em “Simplesmente Feliz”, de Mike Leigh. Na pele de Ginger, ela tenta mais do que tudo se convencer da importância de uma perspectiva otimista levando uma vida simplória.

Ginger se apresenta como um tipo que fez as piores escolhas afetivas possíveis. Tanto o ex-marido quanto o atual namorado Chilli (Bobby Cannavale) são grosseirões e pouco ambiciosos. Esse é o ponto de interseção de ambas, considerando que ser mimada por Hal não significou muito para Jasmine que também passou por humilhações maiores do que perder um alto padrão.

O time masculino ainda que “reserva” joga muito bem. Baldwin coloca a máscara do drama depois de revelar a outra faceta também com um longa de Allen. Só não percebe o mal-caratismo de Hal por conveniência (ou sob a ótica de Jasmine). Outro que faz uma ponta e se mostra interessante é Peter Sarsgaard como um aspirante a político que se encanta pela classe da protagonista.

A crítica especializada costuma considerar Woody Allen “maior” quando se faz valer de suas referências sobre Fiódor Dostoievski (“Match Point”) e Tennense Williams. Como se comédias, em especial as recentes, não tivessem peso. O que é uma tremenda injustiça à fluidez com a qual esse senhor incansável de 77 anos se dedica ao cinema. “Blue Jasmine” é mais um de seus vários grandes filmes e ponto.