Circuito interno

Do frágil ao ágil nas tramas 

Mocinhas de novelas ficam mais fortes e refletem o momento da mulher na sociedade brasileira e no mundo

Por geraldo bessa
Publicado em 31 de agosto de 2014 | 03:00
 
 
CZN

Por muitos anos, sofrer, chorar e amar foram as principais funções das mocinhas nos folhetins da TV brasileira. Personagem importante dentro da trama, mas sempre passiva à imagem e atitudes do herói ou da vilã, a protagonista, enfim, passou a refletir a nova percepção da mulher na sociedade, marcada pela independência e pela autonomia em formatar seu próprio destino. “As mocinhas da televisão foram ficando tão chatas e monótonas que o telespectador parou de torcer por elas. Busco mostrar o que vejo nas ruas. A mulher forte e que tem objetivos”, argumenta Aguinaldo Silva, autor de “Império”.

A atual novela das nove da Globo tem em Cristina, de Leandra Leal, um típico exemplo deste novo olhar sobre a mulher que se instaurou nos folhetins. Sim, as mocinhas ainda querem se apaixonar perdidamente, mas não vivem em função disso. Humilde e trabalhadora, Cristina acha mais importante manter a família unida e luta para sustentar a casa. “Cristina não sofre porque tem de sofrer. Ela lida com problemas reais, mas é o centro de sua ação e a liderança dentro da sua casa. A primeira e a última palavra são dela. É uma personagem que comanda seu desenho dentro da história”, justifica Leandra Leal.

A mudança em relação ao perfil das mocinhas na teledramaturgia vem se apresentando de forma gradual. Na virada dos anos 1970 para os anos 1980, novelas como “Dancin’ Days” e séries como “Malu Mulher” já distanciavam seus principais personagens femininos das lamúrias e romances banais para abordar os dramas de ex-presidiárias, mães solteiras, violência doméstica, aborto e sexualidade, entre outros assuntos. “‘Malu Mulher’ mexeu em assuntos inimagináveis para a época. O texto era de uma força enorme e eu ficava muito insegura para retratar aquelas situações. Fiz muitas mocinhas delicadas e chorosas. A Malu era muito diferente”, relembra a atriz Regina Duarte.

O esquema mais tradicional de protagonista continuou dominando. Embora, com o passar dos anos, outros exemplos da força feminina tenham sido utilizados pelos autores, como a vingativa Claudia, interpretada por Malu Mader em “Fera Radical”, trama de 1988, ou a ousada Tieta, de Betty Faria, na novela homônima, de 1989. “Tieta era uma força da natureza. O reencontro daquela mulher com a sociedade que a humilhou era uma grande história de volta por cima”, analisa Betty.

Parte significante de mocinhas atuais segue pela linha mais independente e que ganhou força com a reafirmação da posição da mulher na sociedade. Em “Geração Brasil”, por exemplo, Manu, interpretada por Chandelly Braz, é do tipo que não chora pelos cantos. A personagem, escrita especialmente para a atriz pela dupla de autores Filipe Miguez e Izabel de Oliveira é assumidamente inspirada no jeito forte e contestador da própria intérprete. “Manu tem muito do que a gente enxerga na Chandelly, essa coisa de ela ir atrás do que quer e de não dramatizar suas tristezas. Se cai, levanta e continua a briga”, valoriza o autor.

Ambientada nos anos 1970, “Pecado Mortal”, primeira trama de Carlos Lombardi na Record, também se utilizou de uma mocinha pouco convencional. Com uma vida dedicada a prender bandidos e contraventores, a promotora de justiça Patrícia, de Simone Spoladore, a todo momento se questionava sobre a importância de se manter focada na carreira ou assumir uma vida mais familiar. Os dilemas e complexidades do papel foram essenciais na hora de Spoladore topar a empreitada. Tudo porque, apesar da visibilidade dentro da trama, as mocinhas são, geralmente, personagens extremamente unilaterais e sem grandes possibilidades artísticas. “Nenhuma atriz quer ficar chorando a novela toda. As doses de ação, comédia e dramas relevantes da Patrícia tornaram minha experiência como mocinha algo bem leve e divertido, além de ter sido um exercício de versatilidade”, conta a atriz.