Tragédia em Brumadinho ameaça a saúde de 1,6 milhão

Fiocruz aponta riscos a longo prazo para a população de 18 cidades banhadas pelo rio Paraopeba

Agnaldo infartou duas vezes | Foto: Leo Fontes
PUBLICADO EM 26/01/20 - 04h00

Era para ser um dia típico de trabalho: os pedreiros José Geraldo Ornelas, 56, e Agnaldo Santana, 48, haviam acabado de concluir a construção de uma laje e se preparavam para almoçar no sossego de casa, na comunidade Parque da Cachoeira, em Brumadinho, na região metropolitana de BH, quando a rotina da dupla foi interrompida pela ruptura da barragem I da mina de Córrego do Feijão.

Com a avalanche de lama a caminho, só deu tempo de eles alertarem as famílias, recolherem um pouco de comida e documentos pessoais.

“O impulso foi fugir, sobreviver”, relembra Santana, que hoje vive à base de calmantes, já sofreu dois infartos no último ano – um deles após o toque de uma sirene da mineradora – e reclama de coceira constante na pele, que ele acredita ser provocada pelo contato com a poeira do rejeito seco – lixo descartado no processo de beneficiamento do minério de ferro da Vale. 

Assim como o pedreiro, que ainda não tem diagnóstico conclusivo para o problema dermatológico, cerca de 1,6 milhão de pessoas de 18 cidades foram atingidas direta ou indiretamente pelo rompimento da estrutura, segundo um estudo elaborado no decorrer do último ano pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A saúde das vítimas, segundo o levantamento, está ameaçada pela proximidade com o rio Paraopeba, contaminado por rejeitos tóxicos. Desde janeiro do ano passado, o consumo de água do manancial está proibido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). 

Conforme o epidemiologista da Fiocruz Diego Ricardo Xavier, os impactos à saúde dos atingidos pelo contato com metais pesados ainda carecem de investigação mais profunda.

Em parceria com o Ministério da Saúde, com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e com a Secretaria Municipal de Saúde de Brumadinho, a fundação trabalha em dois estudos: um inicial, para avaliar o impacto da tragédia em até dois anos, e outra pesquisa que vai acompanhar a população pelos próximos 20 anos.

Saúde mental

O panorama que se tem até agora é que, um ano após a tragédia, Brumadinho convive com o adoecimento mental de boa parte dos moradores.

Para se ter uma ideia, segundo a prefeitura, o uso de antidepressivos e de ansiolíticos na cidade cresceu 56% e 79%, respectivamente, na comparação com 2018. Já o consumo de medicamentos em geral subiu 233% no mesmo período.

Diante da memória de vizinhos que morreram, das dezenas de casas abandonadas, do filho que abandonou as brincadeiras e da tristeza que atrapalha o sono e a esperança de seguir em frente, não há como ficar imune.

“Nenhuma pessoa fica indiferente, sem sofrer ao perder seu afazer, sua horta, sua pesca, o rio, seu meio de vida. A saúde mental é um efeito quase imediato”, avalia o epidemiologista da Fiocruz. 

Xavier alerta que é preciso atenção à saúde da população por um longo prazo, já que os efeitos da tragédia poder perdurar por até 30 anos. “Só mais tarde poderemos dimensionar as consequências”, avalia o pesquisador. 

Apesar de tanto sofrimento, o pedreiro Ornelas se nega a deixar o Parque da Cachoeira. “Não sei explicar o que vem na minha cabeça. Perdi amigos, minha mulher e meu filho foram morar em outro lugar. Mas se eu sair, eu perco tudo que juntei em uma vida. É pouco, mas é meu”, desabafa. 

Outro lado

Assistência.Segundo a Vale, quase 600 famílias estão sendo acompanhadas por profissionais do Programa Referência da Família, como forma de garantir assistência às pessoas diretamente atingidas pelo rompimento.

“Como se trata de um luto coletivo, os esforços voltados à saúde emocional devem envolver não só um trabalho direcionado aos familiares, mas à população como um todo”, afirma.

Moradia

A Vale diz que custeia o aluguel de moradias para parte dos atingidos. Atualmente, 100 famílias vivem em residências temporárias, segundo a empresa. 

Acolhimento

A mineradora declarou que mantém pontos de atendimento à população de Brumadinho e região. Segundo a empresa, mais de 50 mil demandas de atingidos foram recebidas, das quais 96% já foram respondidas e 3% são de atendimento frequente.

“Como se trata de um luto coletivo, os esforços voltados à saúde emocional devem envolver não só um trabalho direcionado aos familiares, mas à população como um todo”, declarou Vale por meio de nota.