Eleições

A 'guerra logística' para transmitir os votos

A chegada das urnas em locais de difícil acesso pode requerer balsas, barcos e até helicóptero

PUBLICADO EM 28/09/16 - 11h00

No dia da votação para prefeitos e vereadores, enquanto eleitores indicam nas urnas os candidatos de sua preferência, servidores designados para trabalhar no pleito participam de uma verdadeira guerra para conseguir transmitir os votos para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 1.287 localidades Brasil afora, sendo 102 delas em Minas Gerais, a transmissão será feita de forma remota, o que, de certa forma, mostra a dificuldade de acesso a esses pontos. Em todo o país, a lista inclui aldeias, reservas indígenas e comunidades quilombolas.

Em Minas, a maior dificuldade são as estradas de terra. Em muitos casos, a falta de chuva é um problema para a localidade ao longo do ano, mas, na semana da votação, a torcida é para que não chova, o que pode dificultar bastante a travessia. “Meu irmão, se chover, em 60% das seções só chega de helicóptero. Nem de carro tracionado se chega. O dia da eleição para a gente é uma guerra”, afirma o chefe do cartório de Salinas, João Batista Gomes.

Ele conta que é preciso atravessar o rio Salinas até o povoado de São José. São 60 metros de uma margem a outra. Na seca, são dois palmos de água, mas, em caso de chuva, os moradores fazem a travessia segurando em um cabo de aço com a água batendo no joelho.

Em Brejinho, localidade também atendida pelo cartório de Salinas, em 2012, no dia da eleição a chuva encheu o córrego. “Eram dois metros de água”, recorda Gomes. Ele diz que a urna não chegaria ao local de transmissão depois da votação se não fosse um técnico de urna. “Eu chamei ele e disse que a única forma era ele atravessar aquilo nadando. Ele arriscou a vida. Pegou uma lanterna e colocou a urna sobre a cabeça e veio nadando. Chegou aqui era só lama”, lembra o chefe do cartório da proeza heroica do servidor pelos cinco metros de travessia em meio a uma forte correnteza.

O caso da região de responsabilidade do cartório de Salinas apresenta a dificuldade adicional de se atravessar um curso d'água, mas é a combinação de chuva e estrada de terra o desafio na maioria dos casos. No cartório eleitoral de Arinos, alguns distritos estão localizados em zonas rurais distantes até 100 quilômetros da sede do município. Sem chuva, o percurso pode demorar aproximadamente duas horas, mas, dependendo do estrago feito pela água, a demora na totalização dos votos pode ser bem maior. “Se preciso for, a gente usa até animal ou vai a pé mesmo. A Justiça Eleitoral preza pela celeridade para totalizar os votos”, diz o chefe do cartório de Arinos, Albino Neto.

O contingenciamento financeiro em meio à crise econômica é outro fator crítico. O número de pessoas deslocadas para trabalhar nas eleições é menor que em pleitos passados. Com isso, em caso de problema na urna ou de qualquer outra espécie no dia da votação, o deslocamento pode ser mais lento.

Em São João das Missões, município atendido pelo cartório eleitoral de Manga, os 8.830 eleitores estão divididos em 23 aldeias situadas em diferentes localidades. Em nenhuma delas há sinal de celular ou internet, afirma a chefe do cartório, Ana Júlia Silva Barbosa. “Isso faz com que sejamos um dos últimos municípios a transmitir os votos”, diz.

Dificuldade semelhante é enfrentada para se chegar em Jaíba e Matias Cardoso. A travessia é feita de balsa. Em ambos os casos, a transmissão é feita por satélite, o que facilita na hora da apuração, dado que a urna não precisa voltar para a sede do município para a contabilização dos votos. 

O coordenador de Infraestrutura da Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, Marcus Maletta, diz que neste ano 10 localidades terão transmissão por satélite. Na eleição anterior foram 16. Efeito do contingenciamento. “Há locais que não tem uma linha telefônica, nem internet e até ponto mais próximo são três horas de carro. Nesses casos, tem que ser por satélite”, diz ele, relatando o alto custo de aluguel para a transmissão.

No resto do Brasil, além de veículos com tração nas quatro rodas cedidos pelas prefeituras, são usadas embarcações e até helicópteros, segundo o TSE. No Maranhão, algumas comunidades estão em ilhas ao longo da costa, o que força o auxílio da Marinha no transporte das urnas. Em parte delas são feitas travessias por longas trilhas até as comunidades.

No Mato Grosso, não fosse a transmissão por satélite, a apuração poderia se estender por mais de uma semana. Um caso peculiar no estado é a necessidade de acompanhar a localização da aldeia nômade, Capoto. Os indígenas, segundo oTSE, alteraram a localização de 2014 para cá. No Pará, são 16 horas de barco e 14 horas de voadeira pilotada por índios até a aldeia Wai-wai.