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Efeito Bolsonaro faz Brasil dar guinada à direita no Congresso

Partido de Jair Bolsonaro conquista 52 cadeiras na Câmara dos Deputados; conservadores vencem em Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul

Mesmo com a vitória no primeiro turno, militantes pró-Bolsonaro protestaram em Brasília contra fraude eleitoral; eles esperavam vitória no primeiro turno | Foto: Evaristo Sa/ AFP
PUBLICADO EM 08/10/18 - 18h06

A onda à direita que o Brasil vive há alguns anos na política foi comprovada com a votação desse domingo (7), quando candidatos com visões conservadoras foram eleitos em diversos Estados do País. O PSL, partido do candidato a presidente Jair Bolsonaro, saiu fortalecido no Congresso Nacional – apenas na Câmara dos Deputados, a legenda conquistou 52 cadeiras, a segunda maior.

Para ter uma ideia, o PSL atualmente tem uma bancada com oito deputados federais. Mas apenas um foi eleito em 2014. A legenda, portanto, cresceu 51 cadeiras na Câmara dos Deputados entre as duas eleições.

A votação de Bolsonaro foi expressiva e, pela primeira vez desde o fim da Ditadura Militar (1964-1985), um candidato venceu em todos os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste no primeiro turno da eleição. Bolsonaro teve 46,03% (49,2 milhões) dos votos. Nem Fernando Henrique Cardoso (PSDB), eleito em 1994 e reeleito em 1998, conseguiu a proeza.

Em Minas Gerais, por exemplo, o candidato a deputado federal com maior votação foi Marcelo Alvaro Antonio (PSL) com 230 mil votos. Há quatro anos, o deputado federal mais votado foi Reginaldo Lopes (PT) com 310 mil votos. O petista conseguiu se reeleger neste ano, mas com pouco mais de 194 mil votos, o que é expressivo, porém, bem abaixo dos votos alcançados em 2014. Marcelo Alvaro Antonio, no entanto, subiu de 60 mil para 230 mil votos.

Em São Paulo, um recorde conservador. Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do candidato a presidente, teve pouco mais de 1,8 milhão de votos. Ele é o mais votado da história do Brasil na disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados. O PSL teve, no total, 4,4 milhões de votos no principal Estado do País para deputado federal. O PT, que ficou na segunda posição, teve pouco mais de 2 milhões, o que mostra a opção do eleitorado pelo conservadorismo. A jornalista Joice Hasselmann (PSL) também passou de um milhão de votos. Com a força do partido, Alexandre Frota, ex-ator pornô, e Luiz Philippe Orleans e Bragança, da Monarquia, foram eleitos.

Ainda em São Paulo, o candidato Major Olímpio (PSL) desbancou todos os outros candidatos ao Senado Federal – incluindo Eduardo Suplicy (PT) – e venceu em primeiro lugar para representar os paulistas no Legislativo.

Olímpio teve 25,81% dos votos. Na segunda posição, Mara Gabrilli (PSDB) terminou com 18,59% dos votos. As Assembleias Legislativas também terão crescimento na participação conservadora - Apenas o PSL conquistou 76 vagas.

Já o Novo, de visão liberal, que disputou uma eleição nacional pela primeira vez, também se destacou na votação de domingo. Em Minas, Romeu Zema venceu no primeiro turno com 42,73% dos votos. Candidato pela primeira vez, o mineiro de Araxá desbancou Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador e atual senador) e Fernando Pimentel (PT), atual governador, ex-ministro e ex-prefeito de Belo Horizonte.

No Rio Grande do Sul, o político mais votado para o cargo de deputado federal foi Marcel Van Hattem (Novo) com 349 mil votos.

'Ex-gay'

O exemplo mais clássico da guinada à direita, no entanto, vem da Bahia. O mais votado para deputado federal no Estado é Pastor Sargento Isidório (Avante) com mais de 323 mil votos. O pastor já deu diversas entrevistas se posicionando contra casamento gay e o aborto. Curiosamente, ele mesmo diz ser um “ex-gay”.

Longa caminhada

A onda de direita no Brasil não é algo do momento, segundo o professor de ética da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano. Para ele, o estopim é bastante antigo e nos remete ao século passado. Em 1954, Getúlio Vargas se suicida e, a partir daquele momento, políticos brasileiros apontavam corrupção no governo Vargas. A UDN, partido à época, cita Romano, definiu naquele momento que combater a corrupção era fundamental para o Brasil crescer. Desde então, praticamente todos os candidatos à Presidência da República citam, em primeiro lugar, combater atos ilícitos para tentar conquistar o voto do eleitor.

“Eu não diria que coisas históricas como essa (guinada à direita nas eleições 2018), dessa importância, não nascem de repente. Elas têm uma longa história na formação da sociedade e das opiniões da vida em sociedade. No Brasil é quase que uma certeza de que é preciso uma ação de uma liderança que combata a corrupção. Então temos essa tragédia sempre brasileira. Você escolhe um líder, a quem você atribui a missão de limpar a política do Brasil, esse líder assume a missão, é sufragado. E uma vez no governo, ele tem que conviver com a velha política. Ele tem que ceder em acordos, ele tem que ceder recursos para os integrantes do Congresso. E se ele não cede, ele cai ou cai o Congresso, como no caso do Golpe Militar de 64”, afirma Romano.

Desde a redemocratização, o PSDB e o PT protagonizaram, a partir dos anos 1990, a polarização. Agora, com ultraconservadores eleitos, os tucanos passam a ser vistos até como “moderados”.

“Em detrimento dos militantes, os dois partidos passaram a atender mais os interesses dos seus eleitos. Então, aí você tem um problema comum nos dois. As alianças, as decisões foram pouco a pouco sendo decididas pela cúpula dos partidos. Burocratização dos dois partidos em detrimento da democracia. O FHC escreveu um artigo há uns três anos, por exemplo, dizendo que o PSDB deveria deixar as elites e procurar o povo. E o PSDB não fez isso, evidentemente. O PSDB continuou nas suas brigas de cúpulas, nas suas brigas de candidaturas, nas suas alianças”, diz Romano.

Mestre em história social pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), o professor Eduardo Lima afirma que a onda conservadora no País está atrelada ao fato do imediatismo do povo brasileiro.

“Democracia não é apenas votar, é lutar pelo fim da desigualdade, por exemplo. É algo diário. Não imediato. A democracia é jovem no Brasil e a população não tem paciência para construir e também não nos aprofundamos na democracia”, afirma Lima.