Cuiabá

Eleições 2020: Prefeito tenta reeleição e quer eleger filho em cidade vizinha

Emanuel Pinheiro, prefeito de Cuiabá, participou da articulação que contrariou o próprio partido com a candidatura do filho à Prefeitura de Várzea Grande

FELIPE BÄCHTOLD (Folhapress)
21/10/20 - 21h13

O prefeito de capital mais duramente atingido pela onda de delações surgida em tempos de Lava Jato e de operações congêneres resistiu no cargo, se lança agora à reeleição entre os favoritos e ainda tenta emplacar o filho no comando de uma cidade vizinha.

O emedebista Emanuel Pinheiro, 55, que governa Cuiabá (MT), ganhou destaque no noticiário nacional em 2017 ao aparecer em um vídeo embolsando maços de dinheiro entregues pelo ex-chefe de gabinete da governadoria do estado, Sílvio Corrêa.

"Pega as notas de cem pra mim", dizia o prefeito na gravação, feita em 2013, quando ainda era deputado estadual. Um dos maços de dinheiro que ele tentava colocar no paletó chega a cair no chão em trecho do vídeo.

As imagens faziam parte do acordo de delação de Corrêa e do ex-governador pelo MDB Silval Barbosa e pareciam um golpe de misericórdia na carreira do emedebista, então com apenas nove meses de mandato na prefeitura.

Blindado por vereadores aliados, porém, resistiu a uma CPI. Também conseguiu a rejeição de pedidos de afastamento feitos pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot (negado pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal) e pelo Ministério Público do Estado -que não teve aval na Justiça local.

Sua justificativa ao longo destes anos foi a de que o dinheiro vivo recebido não era de propina, mas sim o pagamento de uma dívida que o delator tinha com o irmão, Marco Polo Pinheiro, em decorrência da contratação lícita de uma pesquisa eleitoral.

A explicação não convenceu o Ministério Público Federal, que enfim o denunciou em setembro deste ano sob acusação de corrupção passiva e associação criminosa.

Os procuradores afirmam que Emanuel Pinheiro, assim como outros dois gravados, recebia suborno de R$ 50 mil mensais para votar com o governo de Barbosa na Assembleia Legislativa.

"Enquanto [Pinheiro] guarda o dinheiro, ainda brinca com a frase: 'Ê, Silvio'... talvez fazendo menção a um conhecido comunicador e empresário da rede de televisão que repetia a frase em seus programas dominicais: 'Quem quer dinheiro?'", escreveu o Ministério Público na acusação.

Segundo a Procuradoria, o dinheiro da propina vinha da arrecadação mantida pelo grupo do ex-governador com obras para a Copa do Mundo de 2014 e do plano MT Integrado, de rodovias.

O projeto do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá feito para o Mundial, que consumiu R$ 1 bilhão e teve a construção abandonada, tornou-se um símbolo do problemático pacote de obras daqueles anos.

Situações como essa provocaram investigações policiais que nos últimos anos assolaram a política de Mato Grosso, como a Operação Ararath, que, assim como a Lava Jato, também desencadeou uma sequência de delações que levou a novas frentes de apuração.

Silval Barbosa passou quase dois anos preso em virtude da operação estadual batizada de Sodoma, que apurava propina em contratos públicos, e virou delator em 2017.

A Operação Sodoma, que chegou a ser apelidada de "Lava Jato pantaneira", deu projeção à juíza Selma Arruda, que deixaria a toga para se eleger senadora pelo PSL, em 2018. Ela, porém, acabou cassada pela Justiça Eleitoral por abuso de poder econômico e caixa dois.

Um dos capítulos mais recentes da agitação política local foi a delação do ex-presidente da Assembleia José Riva, que por anos foi um dos políticos mais influentes do estado. Nela, Pinheiro também é acusado de receber propina em seus tempos de deputado.

Para o prefeito, a permanência no cargo não ocorreu sem grandes desgastes. Em setembro de 2017, foi alvo de buscas ordenadas pelo ministro Fux em decorrência da delação do ex-governador.

Ainda naquela época, o emedebista assinou um decreto orçamentário suplementando em R$ 6,7 milhões os recursos da Câmara Municipal. Ele negou relação entre a medida e a crise provocada pela divulgação do vídeo da colaboração do antigo correligionário.

Em março deste ano, sofreu um revés no Judiciário com a abertura de ação penal na qual é acusado de peculato, também na época em que era deputado estadual.

Nesse caso, a denúncia é de desvio de dinheiro das verbas indenizatórias, junto com outros deputados estaduais, por meio de empresas de fachada em valores que chegam a R$ 600 mil, somando os vários gabinetes.

O teste de resistência final ocorreu no dia 29 de setembro deste ano, quando os vereadores governistas conseguiram derrubar por 15 votos a 8 o relatório final da chamada CPI do Paletó, que pedia o afastamento de Pinheiro, agora prestes a concluir o mandato e candidato à reeleição.

A comissão havia sido instaurada ainda em 2017. Acabou paralisada por discussões na Justiça sobre sua composição e seu desfecho se arrastou pela maior parte da legislatura. Ele não compareceu para depor aos vereadores.

Não deve haver impeditivo jurídico para ele se manter na disputa, como a ficha-suja. Pinheiro formou a maior coligação, com vice do PV, e apoio de mais nove partidos. Obteve o dobro do tempo de TV do segundo candidato com mais espaço.

Ao mesmo tempo em que dirigiu sua campanha à reeleição, Emanuel Pinheiro também participou da articulação, em que contrariou o próprio partido, da candidatura do filho à Prefeitura de Várzea Grande, cidade vizinha e a segunda mais populosa do estado, só atrás da capital.

Lançado pelo PTB, Emanuelzinho, como é conhecido, vai disputar contra o partido do pai. O filho tem 25 anos e hoje é deputado federal.

Questionado a respeito, diz que nada tem a ver com a candidatura do PTB, mas que não iria "podar o sonho" do filho.

Essa circunstância gerou um fato inusitado na semana retrasada. Adversário do prefeito, o governador Mauro Mendes, do DEM, foi a Várzea Grande apoiar em ato o candidato do MDB, Kalil Baracat.

No evento, recordou a cena do vídeo da delação, em frase que deve dar a tônica da eleição municipal. "Não vai tirar do paletó aqui nada nessa cidade. Tem que ter respeito por Várzea Grande", disse Mendes.

Em Cuiabá, a oposição resgatou para o pleito Roberto França, prefeito de 1997 a 2004 pelo PSDB e PPS, que não disputava eleições desde aquela época. Ele apresentava um programa de TV antes da campanha.
França, 72, concorre pelo partido Patriota, com o apoio do DEM e do governador.

Seguindo a tendência de surgimento de candidatos com carreira no Judiciário, a cidade também tem na campanha um ex-juiz, Julier Silva, do PT.

Um dos principais opositores na Câmara, o hoje vereador Abilio Brunini (Podemos) se lançou à prefeitura e, em seu horário eleitoral na TV, diz que lutou "contra a turma do paletó" e exibe um ator representando Pinheiro contando um maço de dinheiro.

Abilio lidera a disputa municipal com 26%, de acordo com pesquisa Ibope divulgada na última sexta (16), mas divide a primeira posição com Pinheiro, que tem 20%, e França (19%) devido à margem de erro de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos. Gisela Simona (Pros) tem 11% e Julier Silva, 3%.

Concorrem também à prefeitura Aécio Rodrigues (PSL), Paulo Grando (Novo) e Gilberto Lopes Filho (PSOL).

A eleição municipal pode sofrer influência ainda do pleito estadual para a escolha de um senador para ocupar a vaga de Selma Arruda. A votação ocorrerá no mesmo dia, 15 de novembro.

Procurado pela Folha, o prefeito informou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar a respeito do teor da reportagem.

Em setembro, ele disse que os adversários integram um "comitê da maldade" desde o primeiro dia do mandato e chamou a CPI de balela. Afirmou, em relação ao vídeo, que pediu desculpas à população pelas imagens e que era "a pessoa errada na hora errada".

"Vou usar todos os argumentos e as provas que tenho para mostrar, para provar, a minha inocência em todo esse mar de lama que foi anunciado com a delação do ex-governador. Agora, sim, quebrou-se o sigilo [da delação] e poderei falar mais à vontade. Antes eu não podia falar, poderia gerar prova contra mim mesmo."