Experiência

À frente da ciência, idosos centenários ensinam a viver

Pesquisas contra envelhecimento avançam, mas histórias de vida dão conselhos mais práticos

Dom, 18/02/18 - 03h00
Maria Igina de Souza, 104 anos: “Remédios de folhas”, água com limão e muita alegria de viver | Foto: Leo Fontes

Quando a aposentada Maria Igina de Souza nasceu, no começo do século passado, seria difícil acreditar que poderia viver tanto. Os 104 anos recém-completados no mês passado são quase três vezes mais do que as quatro décadas projetadas como a expectativa de vida do brasileiro quando ela nasceu. Nessa corrida contra os efeitos do tempo, pesquisadores em todo o mundo se debruçam para tentar retardar o envelhecimento e desvendar os segredos de uma vida longa e saudável.

A medicina já sabe, por exemplo, que a genética é responsável apenas por 30% da vida longa. Os outros 70% se devem à maneira como a pessoa vive. Maria Igina lembra que sua mãe nunca levou os filhos ao médico e que tudo era tratado com “remédios de folhas” – os chás que ela gosta de usar até hoje. A ingestão frequente de cenoura e de água com limão também é outro segredo dela, que tem 11 filhos, 28 netos, 49 bisnetos e 33 tataranetos.

Sem nunca ter tido nenhum problema sério de saúde, as marcas do tempo vão aparecendo na audição, na memória e nas rugas, mas não impedem Maria Igina de se lembrar, com brilho nos olhos e sorriso no rosto, das histórias de sua juventude. “Corajosa” e “doidinha” é como ela mesma se define ao contar sobre quando amansava os bois, caçava tatu e matava cobras na fazenda no interior de Minas Gerais.

Até 2012, cerca de 30 mil brasileiros já tinham passado dos 100 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nunca um número tão grande de pessoas viveu tanto, e o crescimento dessa população segue acelerado. Segundo projeção da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2100 o mundo terá 21 milhões de pessoas com 100 anos ou mais, e o Brasil aumentará sua população de centenários em 110 vezes, para mais de 1,5 milhão.

Análises

Recentemente, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) divulgou um apanhado de estudos mostrando que as doenças associadas ao envelhecimento devem se tornar mais comuns, ao mesmo tempo que mais gente viverá com saúde por mais tempo, mudando o panorama laboral, que exigirá mais flexibilidade e capacidade de adaptação de pessoas, empresas e Estados.

Em paralelo a esse cenário, um avanço jamais visto na compreensão das causas do envelhecimento ocorreu ao longo do último século. Uma busca simples pelas palavras-chave “ageing” ou “aging” (envelhecimento, em inglês) em uma das maiores e mais importantes bases de artigos científicos na área da saúde, o Pubmed, encontra cerca de 384 mil estudos sobre o assunto publicados de 1925 a 2016.

Em 2013, por exemplo, a equipe de Amy Wagers, especialista em medicina regenerativa da Universidade Harvard, publicou um artigo na “Cell Reports” em que identificou em camundongos velhos que receberam sangue de animais jovens o aumento de uma proteína que combateria disfunções cardíacas ligadas à velhice.

Já outro estudo com camundongos publicado em 2007 na “Nature”, pesquisadores dos Estados Unidos e da Holanda comprovaram que, com o tempo, as células-tronco acumulam defeitos genéticos e perdem a capacidade de se reproduzir e manter os tecidos íntegros e em funcionamento.

Se a geração que está vivendo mais de cem anos já nasceu, o pesquisador de Cambridge Aubrey de Grey projeta muito mais. Ele argumenta que o envelhecimento é uma doença humana e curável e proclama que o primeiro ser humano a viver até mil anos já nasceu. Por meio de sua fundação, Grey trabalha para resolver sete tipos de danos causados pelo envelhecimento, o que ele acredita ser a chave para a longevidade.

“Eu fiquei com a chave do mundo”

FOTO: BBC/reprodução
O indonésio Mbah Ghoto faleceu em 2017 aos 146 anos

O título de pessoa mais velha da história é atribuído ao indonésio Sodimedjo, também conhecido como Mbah Ghoto (Vovô Ghoto). Ele teria nascido em dezembro de 1870 e faleceu em 2017 aos 146 anos. De acordo com o compilado de estudos feitos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o DNA dos indivíduos mais longevos de nossa própria espécie também pode ser fonte de informações úteis para combater doenças associadas à velhice e conter o avanço dos ponteiros do relógio biológico.

Segundo a aposentada Alzira Marques, 102, que já foi professora e costureira, hoje sua atividade física é “dar voltinhas no jardim”. Ela conta que lê muito e come de tudo. “Eu fiquei com a chave do mundo. Na hora que todo mundo for embora, eu fecho”, brinca.

Uma das estratégias dessa busca por viver mais e melhor é procurar mecanismos celulares e moleculares associados a uma boa velhice em quem é extremamente longevo.

O biólogo português João Pedro Magalhães, chefe do grupo de Genômica Integrada do Envelhecimento da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, coordenou em 2015 o sequenciamento do genoma da baleia-da-groenlândia (Balaena mysticetus), o mamífero mais resiliente à passagem do tempo. Com 18 m de comprimento e cem toneladas, esse cetáceo do Ártico pode ter em seu DNA pistas sobre como contornar o câncer e sobreviver por dois séculos.

O trabalho, publicado na “Cell Reports”, mostra alterações em um gene ligado à termorregulação, que pode ser importante para entender o baixo metabolismo do animal. Um ritmo mais lento pode explicar como um mamífero tão grande vive três vezes mais que o homem.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.