Brasil

‘Adolescência política’ explica onda de brigas, dizem especialistas

Reflexo da democracia ainda recente no país, imaturidade é turbinada pela era das redes sociais

Dom, 28/10/18 - 03h00
“O adolescente político se sente adulto e capaz, acha-se entendedor da matéria, mesmo tendo apenas as suas primeiras peripécias em experiências tão pouco profundas”, diz Marcelo Niel | Foto: YouTube/reprodução

Sentimentos de angústia, tristeza e decepção, somados aos rompimentos de relações com amizade e familiares, estão adoecendo os brasileiros. O estrago que o acirramento das discussões políticas faz na psique das pessoas mostra, segundo especialistas, o quanto somos imaturos politicamente.

Psicólogos, terapeutas e pacientes relatam casos que chegaram ao extremo da violência física entre pai e filho, ameaças e até tentativas de suicídio e internações. Segundo a psicóloga Paula Freitas de Souza, as distorções que as pessoas fazem de crenças que têm das outras pessoas e do mundo demonstram imaturidade e falta de regulação emocional.

“As pessoas tendem a ficar mais sob controle de eventos que confirmem suas crenças. Neste caso, as pessoas veem seus posicionamentos como absolutamente corretos e as posições de seus opositores ou diferentes como absolutamente erradas ou nem conseguem enxergar o outro posicionamento”, explica Paula.

O médico psiquiatra, psicoterapeuta e doutor pela Unifesp Marcelo Niel acrescenta a isso o fato de o Brasil ser um país jovem. “Toda nossa educação foi pautada por um processo colonial. Vivemos uma ditadura há muito pouco tempo. Então, o brasileiro como um todo foi muito alienado politicamente. Nos livros de alguns anos atrás, em que as pessoas não tinham nenhuma consciência política, a história era contada de forma muito camuflada, muito atenuada, e até romantizada, da escravidão e do racismo”, afirma.

Ele prossegue: “Os anos se passaram, e o povo cresceu – um pouquinho de nada – em sua consciência política, e o mundo contemporâneo nos presenteou com a internet e suas redes sociais; o equivalente a dar a um garoto ou garota de 11 anos a liberdade de beber, fumar, dirigir e fazer sexo, tudo ao mesmo tempo”. Para o psiquiatra, o resultado não poderia ser menos catastrófico: o “adolescente político” se sente adulto e capaz, acha-se entendedor da matéria, mesmo tendo apenas as suas “primeiras peripécias em experiências tão pouco profundas”. “Pré-púberes políticos, movimentam-se pelas redes sociais em típicos agrupamentos juvenis, reproduzindo conceitos e opiniões, ofendendo divergentes como adversários dos jogos da aula de educação física”, compara o psiquiatra.

Segundo Niel, os relatos geralmente têm sido de extremo desconforto, irritabilidade, decepção, rompimentos, que desencadeiam uma reação de ajustamento, de luto e levam a pessoa a uma crise emocional. “Nas últimas semanas falei muito disso com minha psicóloga. Tive um quadro de infecção por estresse. Minha ansiedade está aparecendo com mais frequência. E agora ando com o abdômen muito dolorido, também consequência do estresse. Estou tentando nem ver mais nada de política”, disse a auxilia de escritório Taís

, 22.

No entanto, conforme o psiquiatra, não há como propor que as pessoas deixem de emitir opinião. “Uma vez que, ao menos por enquanto, vivemos num país democrático, cuja liberdade de opinião e expressão ainda está assegurada, deveria ser possível discutir sem brigar, sem ofender, sem invadir o espaço – ainda que cibernético – do outro com cuidado”, afirma.

nome fictício 


Minientrevista

Paula Freitas de Souza
Psicóloga


De que forma as discussões política têm afetado a saúde psíquica?

Nas pessoas que já têm um diagnóstico problemático, sendo bombardeadas com tanta carga emocional negativa, o nível de ansiedade dispara, e, consequentemente, torna-se necessário o aumento da dosagem do medicamento. A tendências nessas situações é aumentar o consumo de drogas, álcool e até o sexo. Essas são algumas formas que o indivíduo encontra para diminuir a ansiedade e mudar o foco do atual momento.

Como costumam ser os relatos dos pacientes?

Desde que começaram as disputas eleitorais, os pensamentos e sentimentos se tornaram um fatalismo misturado com ansiedade e depressão. Alguns de meus pacientes chegam ao limite da tolerância do sofrimento. Tive relatos de pessoas que apanharam em casa por defenderem suas posições políticas. Uma cliente descreveu ter sido ameaçada depois de colocar o adesivo de seu candidato no carro, e um vizinho exigiu que ela retirasse para que não viesse a ter consequências. Muitos relatos são de intimidação política.

É possível se blindar e retomar esses contatos?

A gente se blinda estando bem consigo mesmo, buscando a saúde mental. Assim conseguimos escutar o outro sem encarar como uma agressão. Devemos saber que agressão é aquilo que está dentro de quem agride, não de quem é agredido. É possível retomar esses contatos. Espere alguns dias para que os ânimos dos vitoriosos e a frustração dos derrotados diminuam um pouco.

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