Moda

Calcinha bege: um ‘rebranding’ para momentos sedutores

Polêmica do tom da lingerie sobreviveu ao avançar de pautas comportamentais

Por Da Redação
Publicado em 21 de maio de 2021 | 03:00
 
 
Cantora Billie Eilish em ensaio fotográfico para a revista “Vogue” Foto: Reprodução

“Tem dia que a gente quer seduzir, que se veste para matar. Mas tem também aqueles dias em que queremos só nos sentir bem e usar uma lingerie confortável, que nos deixe bem”, resume a empresária Francielle Ferreira, que entende do assunto, pois, há anos, gere uma loja especializada na venda de peças íntimas para mulheres. Conhecedora desse mercado, ela distingue as principais características das lingeries para uma ocasião ou outra. “Se é para seduzir, a aposta é a transparência, com itens menores e com acabamento em tule ou em renda”, diz, complementando que, entre as cores, as mais buscadas são branco, vermelho e preto. Por outro lado, se o objetivo não é se mostrar ao outro, produtos mais básicos aparecem como preferidos. E tons de bege costumam ter boa saída. Francielle explica que a opção é entendida como peça curinga no guarda-roupa feminino, vantajosa por ser discreta e ideal para ser usada com roupas mais claras ou justas.

Mas pode acontecer de, vez ou outra, as poucas pretensões eróticas da manhã se transformem em um mar de expectativas no fim do dia. E, nessas ocasiões, algumas mulheres experimentam um temor bem específico. Trata-se do medo de que aquela calcinha bege não seja apropriada para um encontro sexual. “Tem sempre alguma cliente que foi trabalhar normalmente, mas foi surpreendida e liga, preocupada com o tipo de lingerie que está usando após surgir um encontro de última hora ou o marido propor algo diferente para aquela noite”, reconhece Francielle.

Sim, a julgar pelo relato da empresária à frente da Romântica Lingerie, dá para dizer que a famigerada polêmica da calcinha bege sobreviveu aos diversos avanços de pautas de comportamento, sexo e sexualidade e ainda assombra muitas mulheres. Mas seria injusto dizer que nada mudou. Afinal, acima de tudo, estamos aqui falando sobre moda, sobre esse conjunto de opiniões, gostos, assim como modos de agir, viver e sentir coletivos e que têm um viés cíclico. Não é incomum que peças que caíram em desuso em uma temporada reapareçam com força anos e até décadas mais tarde. Parece ser esse o caso dos tons de bege.

“Já faz um tempo que essa cor está sendo reabilitada”, pontua Francielle, citando que a tonalidade, desde a virada dos anos 2010, tem aparecido com mais frequência compondo looks de famosos e de fashionistas. Até agora, contudo, era raro ver imagens em destaque de personalidades que, com ares sedutores, utilizassem lingeries beges. Regra que foi quebrada pela cantora e compositora norte-americana Billie Eilish, que apareceu na capa da edição dos Estados Unidos da revista “Vogue” vestindo peças dessa matiz.

Para Francielle, o bege parece vir passando por um reposicionamento de imagem, um “rebranding”. Tanto que, há algum tempo, itens com esse tom vêm sendo chamados de “nude”, uma classificação que a empresária faz questão de lembrar ser equivocada – “pois nude é um conceito, e não um tipo específico de coloração. Isso significa que o que é nude para uma pessoa não será para outra. Nesse caso, por exemplo, o bege não será a cor equivalente ao nude para alguém de pele negra”.

De qualquer maneira, esse esforço de se repaginar o bege, palavra que vem do francês e significa “sem cor”, já surte efeito. “Essas peças têm tido mais aceitação, ainda que raramente sejam uma escolha para a sedução”, garante Francielle, ponderando que, a depender do acabamento em tule, uma calcinha pode ser sexy independentemente de sua coloração.

Imagem de elegância e sobriedade

A psicóloga e sexóloga Enylda Motta faz coro às análises da empresária Francielle Ferreira. “A calcinha bege ainda transmite ideias como elegância e sobriedade, que, na cama, muitas vezes, podem ser um recurso para o começo de uma relação. Mas isso não impede o casal de sair desse lugar e de se entregar a outros momentos de prazer”, opina, lembrando que, mais do que para o outro, a lingerie mexe com o imaginário da pessoa que veste a peça.

Em sua experiência clínica, Enylda observa que a escolha errada, muitas vezes, gera frustração nas mulheres. “Algumas, se estão usando peças que consideram feias, sentem-se envergonhadas e podem até evitar o sexo por esse motivo”, assinala. Ela nota ainda que, quando o tema é como se vestir, mulheres em relações heterossexuais tendem a se preocupar em estarem sensuais ao mesmo tempo em que costumam evitar itens que lhes pareçam vulgares. “Ainda tenho recebido no consultório essa repressão feminina”, indica a especialista. 

Em quaisquer universos, da mesma maneira que sempre aparecem aquelas que não fazem questão de parecer provocantes, há também as sempre preocupadas em agradar. “Tenho uma cliente que, ao ganhar da esposa uma viagem, me ligou dizendo que precisava de lingeries à altura”, pontua Francielle.

Cueca de elástico. Francielle Ferreira cita ser comum que, na relação, a parte mais zelosa quanto ao vestuário íntimo reclame da falta de cuidado da parte mais, digamos, abnegada. “Noto que muitas mulheres pedem que eu tenha também cuecas para vender, porque elas reclamam de os maridos continuarem usando sempre as mesmas, até o elástico não aguentar mais. Até nas palestras que a gente faz, sobre dicas de sedução, muitas pedem que eles também possam participar”, conta.