Você já se sentiu atraído por alguém que foge dos padrões de beleza convencionais? Já se surpreendeu com uma pessoa que usa um estilo próprio e ousado, sem se importar com o que os outros vão pensar? Já se perguntou o que leva alguém a escolher uma forma de se expressar tão diferente da maioria? Essas são algumas das questões que envolvem o conceito de estranheza estética, uma tendência que vem ganhando mais espaço na sociedade contemporânea, se pautando pela busca por singularidade, originalidade e autenticidade, tendo como filtro a valorização da diversidade, criatividade e liberdade ao propor uma ruptura com os padrões de beleza socialmente admitidos.
Originalmente, esse conceito foi introduzido pelo crítico literário, escritor e cenógrafo russo Viktor Chklovsky em seu ensaio “A Arte como Processo” (1917). Segundo ele, o estranhamento é o efeito criado pela obra de arte para nos distanciar do modo comum como percebemos o mundo e a própria arte, permitindo-nos entrar em uma dimensão nova, só visível pelo olhar estético ou artístico, sendo uma forma de romper com a automatização da percepção e de renovar a sensibilidade diante dos objetos e das palavras.
Outro teórico que contribuiu para a construção desse conceito foi Sigmund Freud – sobretudo no seu artigo “Das Unheimliche” (1919), que pode ser traduzido como “O inquietante” ou “O estranho-familiar”. Resumidamente, para o austríaco, considerado o pai da psicanálise, o estranho-familiar seria algo que nos é familiar, mas que, ao mesmo tempo, nos causa estranheza, desconforto, medo. Algo que pertence ao nosso inconsciente, mas que se manifesta de forma distorcida, ameaçadora e perturbadora, provocando, portanto, sentimentos ambíguos. Sentimentos esses que também podem estar presentes na estranheza estética, que desafia os limites entre o belo e o feio, o normal e o anormal, o real e o imaginário.
A partir dessas formulações iniciais, o estranhamento estético foi ganhando a atenção de outros pensadores e artistas, como o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, que aplicou o conceito ao seu teatro épico. Na arte contemporânea, por sua vez, esse conceito se converte em uma estratégia utilizada pelos artistas para provocar o espectador, desafiando as suas expectativas e convenções e buscando estimular a reflexão crítica e a participação ativa do público, rompendo com a passividade e a indiferença.
A estranheza como elemento na moda
Para a comunicadora de moda e estilo Elisa Santiago, a estranheza estética pode ser definida como “tudo aquilo que tira a gente do lugar-comum quando estamos falando de moda, arte e cultura”. Ela explica que essa sensação de estranhamento pode ser despertada, por exemplo, ao usar intencionalmente algo que a sociedade em geral considera feio, polêmico, provocativo e até mesmo brega.
“A principal característica da estranheza estética é a sua capacidade de provocar algo no outro. Acredito que ela seja um convite para a gente perceber o diferente”, avalia “Trazendo para a moda, a gente pode falar de elementos considerados socialmente esquisitos, como a mistura de estampas espalhafatosas. Ou também de elementos que se tornam estranhos quando deslocados de seu lugar-comum, como a possibilidade de usar peças com brilho durante o dia. Existem exemplos diversos, mas eu diria que o estranhamento é algo que provoca intencionalmente esse sentimento no outro”, assinala.
Apelo popular. Demonstrando que, embora possa parecer um tanto alienígena para alguns, essa tendência pode ter apelo popular, Elisa Santiago cita exemplos bem conhecidos dos brasileiros entre suas referências e inspirações no campo da estranheza estética.
“Eu adoro buscar por referências que provoquem a estranheza pelo lado do maximalismo, do acúmulo de informações em uma mesma imagem. Por exemplo, as personagens da série ‘A Grande Família’, como o Agostinho Carrara e a Marilda, que têm diversos elementos em seus figurinos, que estranham e provocam, muitos desses comuns na vida do brasileiro, mas que, quando colocados em conjunto, se tornam um recorte divertido dessa estética popular”, sinaliza, acrescentando não ser por acaso que essas sejam personagens tão marcantes e icônicas.
Ferramenta de expressão
A comunicadora de moda e estilo Elisa Santiago diz também aplicar a estranheza estética no seu próprio estilo e trabalho, construindo um visual maximalista que chama atenção. Ela conta que essa possibilidade de reunir várias cores, mix de estampas, maxi acessórios, sapatos pesados, maquiagem, se tornou uma marca registrada do seu estilo e é algo que ela gosta de usar para se comunicar. “Utilizar a estranheza estética como ferramenta de estilo pode te ajudar a se diferenciar em determinados contextos e espaços, pode ser um elemento que te ajuda na construção de uma imagem marcante”, garante.
Mas, ao mesmo tempo, Elisa reconhece os desafios de se expressar por meio da estranheza estética. Afinal, carregar um visual marcante a partir do estranhamento é uma escolha a ser sustentada, ou seja, é uma ferramenta de estilo que pode abrir portas, mas também pode gerar reações negativas ou preconceituosas. Por isso, ela ressalta a importância de trazer esse estranhamento como uma estratégia de imagem, como algo utilizado intencionalmente. “O estranhamento carrega discursos, provoca discussões, comunica, e é muito interessante poder utilizar disso ao próprio favor”, conclui.