Agressividade disfarçada

Comportamento passivo e, ao mesmo tempo, agressivo: transtorno ou sintoma?

Especialista afirma que ironia, sarcasmo, humor ácido e até o silêncio costumam ser instrumentos deste tipo de atitude

Por Da Redação
Publicado em 25 de janeiro de 2022 | 04:40
 
 
Comportamento passivo e, ao mesmo tempo, agressivo: seria um transtorno ou um sintoma Foto: Benjamin Lehman/ Divulgacao

É provável que todo mundo, em algum momento da vida, já tenha dado o braço a torcer apenas para ter trégua e uns minutos de paz. Afinal, sair pela tangente e evitar uma conversa desagradável pode, por vezes, parecer a melhor alternativa. Como no caso daquele bate-boca que, aparentemente, não vai levar a lugar nenhum. Nessas situações, despender energia parece até um desperdício.

Contudo, se a estratégia de bater em retirada é, por vezes, aconselhável, essa mesma atitude, quando reiterada, pode até mesmo ser um sintoma de transtornos de personalidade. 

“Na verdade, na terceira edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), esse tipo de comportamento, que chamamos de passivo-agressivo, chegou a ser catalogado como um transtorno em si. Porém, na edição seguinte foi feita uma revisão, chegando-se à conclusão de que seria necessário realizar mais estudos a fim de melhor compreender esse fenômeno. Hoje, não é possível dizer se a atitude passivo-agressiva ou negativista é sintoma ou se é um transtorno em si”, explica o psiquiatra Bruno Brandão, inteirando que o DSM está atualmente em sua quinta versão. Ele pontua que, atualmente, o problema é interpretado como associado a transtornos como o narcisismo, a bipolaridade e a depressão. 

O especialista lembra que recursos como ironia, sarcasmo, humor ácido e até mesmo o silêncio costumam ser instrumentos a que pessoas passivo-agressivas recorrem quando diante de um impasse. “Se em uma discussão é normal que as partes fiquem, em algum momento, mais agitadas, no caso desse grupo não é o que vai acontecer, pois esses indivíduos tendem a evitar o enfrentamento. O problema é que, enquanto no primeiro caso, por mais que os ânimos fiquem mais exaltados, todos tenham a oportunidade de colocar seu ponto de vista e, posteriormente, chegar a um acordo, construindo consensualidade, no último o diálogo é comprometido, e a conversa simplesmente não avança”, expõe. 

“É como se uma das partes quisesse colocar todos os pingos nos is, mas a outra não estivesse disposta. É aquela pessoa que vai dizer coisas como ‘você que está certo’ ou ‘está tudo bem’, sempre em tom irônico. Com essa ação, pontos que deveriam ser discutidos acabam sendo jogados para debaixo do tapete, mas continuam existindo”, alerta. 

Agressividade velada.

Além disso, Brandão lembra que a atitude é caracterizada por uma carga velada de agressividade. “Esse conjunto de fatores faz com que o comportamento repercuta em grande desgaste para qualquer tipo de relação”, diz. 

O psiquiatra aponta que fatores biológicos e ambientais podem estar por trás desse tipo de manifestação. “Sabemos que é uma postura que pode começar a ser percebida já no final da infância e início da adolescência”, avalia, acrescentando que, em geral, a atitude passivo-agressiva tem origem na história de vida do sujeito. “O mais comum é que seja resultado de um ambiente invalidante, ou seja, essa pessoa conviveu com uma infância em que era proibida de expressar suas emoções, especialmente emoções de raiva e de frustração”, sinaliza. 

“Nesses casos, quando a criança manifesta agressividade, ela é punida física ou psicologicamente. Dessa maneira, ela vai incorporando à sua personalidade que nunca deve manifestar raiva, entendendo que deve sempre adotar uma postura mais sedutora – então, mesmo que esteja morrendo de raiva por dentro, esse sentimento não será externalizado”, comenta. O problema é que as intenções negativas continuam ali, mesmo que reprimidas. O psiquiatra acrescenta que usuários de álcool e outras drogas também tendem a adotar uma postura passivo-agressiva mais frequentemente. 

Identificando o problema 

Uma das grandes dificuldades em relação ao tratamento desse padrão de comportamento passa pela identificação do problema. “Transtornos de personalidade são de difícil diagnóstico. Muitas vezes, nem a própria pessoa, nem o seu círculo de convivência conseguem identificar que há algo de errado. Normalmente, pensamos que é só o jeito daquele sujeito”, relata Bruno Brandão. Ele complementa que a busca por ajuda só acontece, quando acontece, quando diversos prejuízos começam a ser identificados. 

“Uma pessoa que age de maneira passivo-agressiva pode ter comprometimento nas diversas dinâmicas de sua vida, seja em relação a amigos, família ou trabalho. Ao sofrer com episódios de exclusão, por exemplo, a ficha de que há algo a ser tratado pode começar a cair”, cita, lembrando que a psicoterapia é uma aliada para a superação desse paradigma comportamental. 

“Nesse processo, é importante que o paciente entenda que onde não existe diálogo, onde não há uma comunicação assertiva, haverá sofrimento. Então, esse indivíduo precisará aprender a reconhecer o que ele sente para, então, expressar suas emoções, buscando soluções em vez de tentar silenciar impasses e mascarar suas reações”, avalia, asseverando que, por ser um problema crônico que normalmente se arrasta por décadas, o tratamento tende a ser mais longo. 

“Para que a situação seja superada, o primeiro passo é reconhecer que há um problema. Em seguida, identificar que ele gera prejuízos. Depois, vem a decisão resoluta de querer mudar. Só então vamos iniciar o processo de desconstruir aquelas crenças, que normalmente acompanham a pessoa desde a infância e que a impedem de se manifestar e de se comunicar de maneira eficiente”, conclui Bruno.