Entrevista

‘O castigo nunca serviu para nada, mas limite é importante’

Carlos González - Pediatra espanhol autor dos livros “Bésame mucho, como criar os filhos com amor”, “MEU FILHO NÃO COME – CONSELHOS PARA PREVENIR E RESOLVER O PROBLEMA”

Dom, 14/12/14 - 03h00
“O que eles querem é o nosso tempo, atenção, e amor. Pegá-los em seus braços, passear” | Foto:

O pediatra espanhol Carlos González tem despertado a atenção por sua linha de trabalho pouco convencional quando o assunto é educação dos filhos. Em vez de castigo, ele defende que os pais fiquem mais tempo com seus filhos. Leia mais nesta entrevista.

Muitos médicos criticam atitudes de ceder ao choro da criança ou acolher o filho que chora; dormir na mesma cama, e você considera essas regras “estúpidas”. Por que você acha que tantas proibições e normas ainda persistem nas famílias?

Na verdade, são regras que têm sido passadas há poucas gerações. Há cerca de 50 ou 80 anos, os médicos ainda estavam tentando convencer as mães que deixassem os filhos chorar. Eram regras absurdas e cruéis, que já estão desaparecendo.

Você diz que “não há adulto na prisão porque os pais deram afeto demais”, e que não acredita nos castigos e na imposição de limites. Mas em determinados momentos os pais não devem ser mais firmes? Como fazer isso?

O castigo nunca serviu pra nada. Eu não sou contra a imposição de limites. É claro que temos de colocar limites. Não podemos deixar nossos filhos brincar com o fogo ou facas, ou que briguem com outras crianças, ou que comam toneladas de doces. O que eu critico é a imposição de limites absurdos e injustificados só para mostrar quem é que manda, ou utilize de castigos e ameaças para impor limites. Minha esposa não me deixaria brincar com o fogo, mas nunca me ameaçou ou me castigou. Com uma criança mais velha, basta dizer “não faça isso”; com uma criança pequena, o que funciona é manter os inflamáveis, facas, remédios e outras coisas perigosas fora de alcance.

E no caso de crianças altamente explosivas e que sempre recorrem à chantagem emocional para ter algo de seus pais? Muitos veem essas situações como pais sem autoridade.

Geralmente são os pais que recorrem à chantagem emocional. São os pais que dizem: “se você se comportar mal, mamãe vai ficar muito triste”, ou “se você falar palavrão, Deus castiga” ou “eu preparei essa comida com tanto amor, tem que comer”. Uma criança pequena não é capaz de fazer isso, eles não são inteligentes a esse ponto.

Em outra entrevista você disse que as crianças de hoje nunca passaram tanto tempo sozinhas e longe de seus pais. Quais os benefícios ou prejuízos que você vê nesse tipo de rotina?

Na Espanha (ao contrário de outros países da Europa), a grande maioria das crianças frequentam creches antes dos seis meses. Nunca antes as crianças haviam passado tantas horas por dia separadas de seus pais desde tão pequenas. Eu não vejo um benefício sequer para esse tipo de situação, só prejuízos.

Muitos pais se sentem culpados por sentirem “obrigados” a fazer todos os desejos dos filhos para compensar o tempo longe. Como agir?

O que os pais deveriam fazer é cuidar de seus filhos. É responsabilidade deles. E se eles se veem obrigados a passar muitas horas longe de seus filhos, é claro que eles têm que tentar compensar. O erro é que alguns tentam compensar com dinheiro, com brinquedos, com os presentes. As crianças pequenas não pedem e não precisam disso. O que eles querem é o nosso tempo, a nossa atenção, o nosso amor. Pegá-los em seus braços, dar um passeio, contar histórias, ouvi-los, tratá-los com amor e respeito.

Você defende uma alimentação infantil rica em alimentos de alto teor calórico (massas, frango, arroz, pão) e que não se deve forçar a criança a comer legumes. Como incentivar a alimentação saudável, uma vez que vemos um número crescente de obesidade infantil?

Não é preciso obrigar nenhuma criança a comer (nem nenhum outro ser humano) verduras nem qualquer outra coisa. Isso, aliás, é um primeiro passo para a prevenção da obesidade infantil. É muito perigoso forçar a alimentação dos filhos, e já estamos sofrendo as consequências. As crianças menores tendem muitas vezes a preferir os alimentos de alto teor calórico. Isso não significa que eles não comam vegetais ou frutas, mas que gostam mais de frango e macarrão. Se os deixarmos em paz, com o tempo os gostos vão mudando. Não se come aos 15 anos igual se comia aos 7, e tampouco igual aos 30 e aos 60. Infelizmente, muitas vezes os pais insistem e pressionam para que seus filhos comam determinados alimentos, por considerá-los mais saudáveis. E a consequência é que os filhos acabam odiando esses alimentos. Nenhuma mãe diz: “se você não terminar o bolo, eu não vou te dar vegetais”. É sempre o oposto. Então, o que estamos ensinando aos nossos filhos é que o vegetal é uma porcaria, ninguém iria comer se não fosse com a promessa de um prêmio.

Você aponta a conveniência, a felicidade e a tranquilidade como fatores suficientes para as crianças poderem dormir com os pais. Por que isso ainda é um tabu para muitas famílias?

Em um estudo na Inglaterra, um terço das crianças de 0 a 12 meses dormia na cama dos pais, um terço no berço ao lado da cama dos pais, e um terço em um quatro separado. Em um estudo na Suíça, 40% das crianças de 4 anos dormiam na cama pais (pelo menos duas noites por semana). É um fato, quase todos os filhos já dormiram alguma vez com seus pais (e a maioria dos adultos já dormiu com seus pais na infância). Infelizmente, algumas pessoas se veem obrigadas a fazer isso escondido por serem criticadas por isso.

O que você acha de programas como “Supernanny” e contribuições para a educação das crianças?

Eu só vi o “Supernanny” inglês, e ele tem pontos bons e ruins. Eu odeio a recomendação de deixar as crianças chorarem à noite, mas tem muitas coisas positivas. Insiste que nunca, em hipótese alguma, você pode gritar, insultar ou bater no seu filho, e que os pais têm que passar o tempo dando carinho. Infelizmente, muitas pessoas só se preocupam com a “cadeira do pensamento”. Esse instrumento e o tempo de exclusão foi inventado há meio século para evitar os exageros. Isso faz os pais acreditarem que de alguma forma estão castigando a criança, mas não apenas isso. A “cadeira do pensamento” tem regras muito específicas: para ‘x’ minutos, não tocar, não gritar, não falar nada. Na verdade, o objetivo é acalmar o pai com raiva para proteger as crianças, impedir que ele grite, humilhe, ameace ou bata. Se você não tem a intenção de bater ou gritar com o seu filho, você não precisa se afastar dele quando fica irritado.

Nós vivemos na era dos eletrônicos, e as crianças estão ligadas a várias telas de uma só vez: TV, tablet, computador, jogos para celular e vídeo. Qual é o impacto desse fenômeno no desenvolvimento?

A Academia Americana de Pediatria recomenda que as crianças menores de dois anos não fiquem expostas a telas de qualquer tipo, para evitar interferências no desenvolvimento da visão. Mas, provavelmente nessa idade, o pior efeito das telas não é sobre as crianças, mas nos pais. São eles que se colocam diante da televisão e ignoram seus filhos. “Fica quieto que estou vendo o jogo”, “Silêncio, me deixe ver o filme”. Nos apegamos ao mito de que não importa se o bebê vai para a creche, porque o tempo que estaremos com ele será de “qualidade”, mas, na prática, gasta-se mais tempo assistindo à TV. Para as crianças mais velhas, o tempo gasto no vídeo -game rouba o tempo de exercício físico e de relacionamento pessoal com outras crianças. Agora, “eu tenho muitos amigos” não significa que “eu brinco com muitas crianças”, mas que “muitas pessoas curtiram meu perfil”.

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